quarta-feira, 8 de março de 2006

É hora de declarar guerra


Agora há pouco gravei rápido depoimento para um documentário sobre os 50 anos do Prêmio Esso de Jornalismo, na condição de autor da capa do Globo premiada em 99 (imagem acima).

Não falei tudo o que penso e nem poderia, por falta de tempo. Mas tentei dizer que não faria, hoje, aquela primeira página de 99. Se tivesse que reproduzir a mesma idéia, o título seria "guerra".

O Rio de Janeiro mudou, de lá para cá. A midia também. Ambos mudaram para pior. O Rio se tornou ainda mais violento, a mídia se tornou ainda mais exagerada no relato dessa insegurança. Parece contraditório, mas não é.

A mídia faz da violência um fetiche. Dramatiza os fatos, exagera, propaga o medo, exalta a paranóia e excita a classe média. Os jornais absorvem o receio natural da população e o devolvem na forma de pavor. Acabam estimulando a segregação.

Enquanto a violência se restringe ao gueto, chateia mas não incomoda; mas quando chega à portaria do condomínio, provoca pânico e, neste momento, acumulam-se editoriais pedindo providências enérgicas e imediatas.

Como a mídia só noticia aquilo que é singular, acaba por banalizar a violência e alterar a percepção do público sobre a situação, que sempre parece muito pior. Para os jornais do Rio, a cidade já vive uma guerra civil. Para gente como eu, que nunca fui assaltado em 25 anos de vida nesta mesma cidade, nem tudo é tão ruim assim. Estamos errados - eu e os jornais. Exageramos, ambos. Nem o Rio é uma ilha de paz e segurança, nem é uma cidade em guerra aberta.

Falta aos jornais, e antes disso, aos jornalistas, a percepção de que a realidade navega entre os dois extremos. Quando sai da redação para cobrir um caso policial, o repórter carrega com ele um entre dois conceitos:

  • A pobreza é a causa de toda a violência social.
  • O estado tem que cumprir o seu papel como repressor da violência.

O repórter volta da rua sem se dispor a submeter o seu conceito ao crivo da realidade. É por isso que, nos jornais, atos contra a polícia nos acessos às favelas viram sempre "manifestações espontâneas dos moradores", quando são, muitas vezes, badernas induzidas por traficantes por meio de intimidação.

É por isso que a imagem de uma senhora de guarda-chuva e de mãos dadas com o filho, descendo apressada uma ladeira no Morro da Mangueira, se transforma em "famílias fugindo do confronto entre Exército e traficantes", como foi dito ontem no Jornal Nacional. Mesmo que tenha sido, na verdade, apenas uma cena banal de uma mãe se protegendo da chuva que caía naquele momento.

Não é mais hora de pedir paz, como eu fiz em 99. É hora de declarar guerra. Para retomar dos bandidos os espaços territoriais que eles roubaram da cidade. Para restabelecer o princípio democrático e civilizado segundo qual apenas ao estado cabe o monopólio da violência.

6 comentários:

Anônimo disse...

Belo texto. Você deveria ser o editor de algum desses jornais que temos que engolir diariamente.
Parabéns.

CFagundes disse...

A questão é quem vai fazer a guerra, será o Estado-queijo suiço?
Belo texto.
Entrei no blog de um professor, antigo colega seu, o Nelson Jobim: www.nelsonfrancojobim.blogspot.com
Muito bom.

Luiz Carlos FS Marques disse...

Há algum tempo assisti no Globo Esporte uma reportagem com um jogador do São Paulo que migrava dos juniores para o profissional. Era uma promessa, mas não lembro do nome. O jogador admitiu que apesar de ter pai e mãe trabalhadores, foi preso por roubar um tênis de "marca" que os pais não quiseram ou não puderam dar. O repórter falou um bom tempo sobre os menores que não têm oportunidades na vida e são levados ao crime para se igualarem na sociedade.
Ora, o cara era bom de bola, jogava pelo time mais organizado do brasil e falam em falta de oportunidade.
É a tal da conveniência, é mesmo caso de artistas que cometem algum tipo de crime e são defendidos pelos Faustões e outros apresentadores, pelo menos minimizando o crime.
A guerra só será assumida quando a solidariedade e a velha máxima de "não queira para os outros o que não quer para você" se tornarem a primeira atitude da população.
Enquanto isso é cada um por si sem Deus por todos.

Parabens pelo texto e pela página.
Quando Jesus disse que dava a outra face, por uma conveniencia tradutória levou-se ao pé da letra que ele estava oferecendo o outro lado do rosto para baterem e na realidade podemos também interpretar que ele disse que sua mensagem e ações seriam o outro lado da violência.
Outra demonstração de conveniencia tradutória é o tal de olho por olho, na realidade podemos entender que para todo crime deve existir uma pena justa na mesma proporção e não a vingança.
Por isso falar em Paz ou Guerra é perigoso, vai depender de como as pessoas irão escutar, ouvir e agir.

Anônimo disse...

Ei! Marona! Aceite esta proposta feita pela Marília MIlzanez!! Os leitores agradecem! Parabéns pelo texto. Impecável.

Anônimo disse...

Escrevi recentemente sobre essa coisa de se dar atenção às marchas pela paz. Ao invés de se cobrar efetivas ações do poder competente contra a violência, vemos a população capitulando e fazendo passeatas, toda de branco, pedindo paz. O meu texto tem o mesmo pensamento do teu último parágrafo. Vamos, portanto, declarar guerra às autoridades que têm a obrigação de nos dar segurança.
Obrigado pelo texto, Marona.

Anônimo disse...

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