segunda-feira, 20 de agosto de 2018

ELES NOS EXPULSARAM COMO CACHORRO, DIZ IMIGRANTE VENEZUELANA EM RORAIMA


DA FOLHA

Yineth Manzol e seus três filhos ficaram sem nada após confronto na cidade de Pacaraima


Avener Prado

PACARAIMA (RORAIMA)


Yineth Manzol, 26, não sabe para onde vai com as três filhas. A mais velha tem 7 anos, a do meio, 5 e a caçula, no colo, 10 meses.

Quando a família estava abrigada em um terminal em Pacaraima, no sábado (18), um grupo de brasileiros chegou com paus e pedras agredindo quem encontrasse.

“Agarravam os meninos e os agrediam. Batiam nos pais. Atiravam pedras, telhas. Batiam na cabeça”, conta. “Pegaram nossa comida e nos expulsaram como se fôssemos cachorro. Quem estava no banheiro [e não pode fugir] ficou sem nada.”

Manzol é uma dos mais de 1 milhão de venezuelanos que fugiu da escassez de comida e remédios e da hiperinflação do regime de Nicolás Maduro. Destes, estima-se que 130 mil tenham vindo ao Brasil, dos quais metade ficou no país.

A maior parte está em Roraima, estado fronteiriço onde fica Pacaraima, uma cidade de 12 mil habitantes (a maioria deles fora da diminuta zona urbana) que recebe a maior parte dos recém chegados. Pacaraima, segundo o Censo, tem Índice de Desenvolvimento Humano igual ao do Iraque.

Nas ruas onde o saneamento chega para apenas 21% da população, a tarde de sábado foi tomada por gritos convocando moradores a se unirem e saírem pela cidade atrás de venezuelanos.

Os gritos eram alimentados pelos relatos, ouvidos ou lidos no WhatsApp, de que o comerciante Raimundo Nonato fora espancado e roubado por ladrões supostamente venezuelanos na véspera.

O que se seguiu depois é o que Yineth Manzol descreve: “Queimaram a tenda, as coisas que a gente guarda, não deixaram nada”.

A operação de acolhida organizada pelo Exército brasileiro na cidade, onde de 2.000 a 3.000 pessoas estavam dormindo em tendas nas ruas segundo a igreja local, precisou ser encerrada às pressas. Quem estava sob as tendas, esperando a triagem e a documentação, teve que sair correndo e cruzar a fronteira.

Para permitir que passassem, o Exército fez um cordão de isolamento, irritando os brasileiros no local, que, entre estrofes do Hino Nacional, chamavam os militares de “periquitos verdes.

O Exército estima que 1.200 venezuelanos tenham conseguido sair dessa forma, mas não se sabe quantos mais recuaram até que os brasileiros fechassem o acesso à cidade com uma grande fogueira de pneus, aos gritos de ódio contra os “venecas”.

Os que fugiram deixaram os pertences para trás; o que ficou virou fogueira, a maior delas em frente à rodoviária. Ali foram incineradas malas inteiras, comida, lençóis, barracas, tudo que pudesse ser dos estrangeiros.

Yineth Manzol e as filhas perderam todos os documentos —elas tinham carteiras do SUS e diziam seguir todas as regras. “Ficamos aqui sem nada”, diz. “Agora temos que começar de novo, e não sei para onde vamos.”

Enquanto a fogueira com as coisas da família Manzol e de outros queimava, bandos de brasileiros saíram à caça de “venecas”. Alguns se esconderam numa área militar, mas logo foram descobertos.

Não foram linchados porque os soldados da base de fronteira intervieram —único momento, junto com o cordão de isolamento, em que as forças de segurança locais e as enviadas pelo governo federal deixaram de ser espectadoras.

O grupo de brasileiros então seguiu para a fronteira, onde se travou uma batalha de pedras e garrafas que só apaziguou quando os venezuelanos recuaram e a guarda venezuelana na fronteira impediu os brasileiros de cruzar.

Veio então um momento de trégua que coincidiu com a hora do almoço, até que a Polícia Rodoviária Federal começasse a negociar a liberação da estrada que cruza a divisa.

No fim da tarde, a rodovia abriu, ainda que os brasileiros comemorassem vitória, trocassem análises políticas e considerassem ter passado o recado: “Quem manda no Brasil é os brasileiros”.

A tensão arrefeceu, e o espanhol voltou a ser ouvido nas ruas e lojas de Pacaraima.

Na manhã deste domingo, os brasileiros voltaram à fila da gasolina no lado venezuelano —só existe posto de gasolina no lado venezuelano— e os venezuelanos voltaram para a fila de entrada no Brasil.

Sem dinheiro e só com a roupa do corpo, Yineth Manzol vai esperar para ver se pode voltar a se abrigar na casa onde estava e onde escondeu as filhas na hora da confusão. “Vamos ver se alguém nos ajuda. Eu tenho filhos. Todos aqui têm filhos.”

Colaborou Luciana Coelho, de São Paulo

sexta-feira, 2 de junho de 2017

HORA DE DESFRALDAR BANDEIRAS


A Folha noticia que artistas da Globo que defenderam o golpe se encontraram para um queijos e vinhos na casa de Paula Lavigne com artistas da Globo que tomaram posição contra o golpe ou, pelo menos, contra o governo Temer. O objetivo era convidar a população para a manifestação de domingo em São Paulo.

Os artistas fizeram alguns pactos informais durante o jantar: 1) a palavra de ordem não será mais “diretas já”, mas “Temer jamais”. 2) para evitar polêmicas, ninguém defendeu, criticou ou sequer mencionou os nomes de Lula e Aécio. 3) Falar de Marina podia.

Peço, como se fosse necessário e importante, que me incluam fora dessa.

Não delego a nenhum artista, de direita ou de esquerda, o privilégio de decidir por mim e, no limite, pelo povo, qual deve ser a nova palavra de ordem das manifestações. Eu mesmo posso ter dúvidas a respeito e exijo um debate amplo sobre o assunto.

Não autorizo ninguém a colocar no mesmo patamar, como se fossem iguais ou, como os aecistas gostam de dizer, “farinha do mesmo saco”, um presidente da República que deixou o cargo com mais de 80% de aprovação e um ex-candidato a presidente que, ao ser derrotado nas urnas, passou a liderar o maior movimento de todos os tempos de sabotagem política e econômica do país, das instituições e da legalidade, tornando incontornável e de consequências desastrosas uma crise que a maioria dos países enfrentou e conseguiu administrar.

Finalmente, não posso concordar que, se os artistas globais decidiram excluir e tornar invisíveis Lula e Aécio – justo quando o momento exige que ambos sejam julgados com honestidade e imparcialidade pela Justiça e pela sociedade – aceitem que a oportunista Marina Silva, que por sinal apoiou Aécio, seja acolhida com exclusividade e sem qualquer crítica.

Não tenho nada contra a reunião, menos ainda contra o fato de que uma parte dos golpistas, em todos os campos, tenha se arrependido e queira mudar de posição. Bem-vindos.

Mas não pertence a artistas de direita e de esquerda a luta para desmontar o golpe cometido contra a presidente eleita (cujo nome, posso supor, também deve ter sido banido do convescote), para desfazer o estrago que está sendo promovido pelas forças que foram derrotadas nas últimas quatro eleições e para reconstruir a economia brasileira destruída pela sabotagem dos golpistas.

Pertence ao povo e à sociedade civil organizada – e por sociedade organizada, que fique bem claro, devem ser entendidos, muito além dos artistas, sobretudo os partidos políticos, as centrais sindicais, os sindicatos, o MST, o MTST, os movimentos populares contra a intolerância, o racismo, a homofobia e o machismo etc.

Todos com suas bandeiras orgulhosamente desfraldadas.

sexta-feira, 19 de maio de 2017

AGORA, SÓ VALE COM PROVAS


Não há dúvida de que os vazamentos contra Temer e Aécio são a porta de entrada para novas delações contra Dilma e Lula.
A agenda do MP e da imprensa é óbvia:
-- Primeiro atacamos os aliados que podemos abandonar na beira da estrada e, com isso, ganhamos crédito para atacar os inimigos, que é o que nos interessa mesmo.
OK, que todos sejam apontados e que tudo seja noticiado, mas não esqueçam que, como aconteceu com os parceiros Aécio e Temer, os delatores terão que apresentar provas contra os demais os acusados, de qualquer partido e de qualquer governo.
Um velho método de investigação foi "inaugurado" com Aécio e Temer:
Filmou?
Gravou?
Seguiu?
Investigou?
NÃO FEZ NADA DISSO?
Então não vale.
Tira a bunda da cadeira e vai buscar provas!

quinta-feira, 18 de maio de 2017

VEM AO CASO, SIM, E MUITO


 O que diferencia a delação da JBS de tudo o que aconteceu até hoje na Lava a Jato é o fato de que, pela primeira vez, ostensivamente, o país toma conhecimento de que, nesta operação, a Polícia Federal agiu como polícia de verdade – investigando sigilosamente, seguindo suspeitos, filmando crimes em flagrante.
Finalmente, vê-se uma PF buscando provas contra os suspeitos, em vez de refestelar-se preguiçosamente diante de delatores que acusariam a mãe para escapar da prisão em que são mantidos como reféns até que resolvam abrir o bico, pouco importando se estarão mentindo ou não.
Finalmente, o Ministério Público acusa sem precisar apoiar-se apenas em delações desesperadas, carentes de qualquer comprovação ou verossimilhança, além de documentos rasurados e sem assinatura, e-mails que nunca foram enviados ou projeções toscas de power point.
Embora seja necessário provar, acima de qualquer dúvida razoável, que os acusados pela JBS cometeram os crimes de que são, ainda, apenas suspeitos, esta nova delação desmoraliza as acusações de ocasião da Odebrecht e da OAS. É possível que alguns dos acusados por essas duas empreiteiras sejam culpados, mas é inegável que, até agora, quase nada foi provado contra a maioria deles.
A nova delação rouba o protagonismo midiático e histriônico de Sérgio Moro, que, diante de uma inédita ação efetiva da polícia e do ministério público, fica identificado apenas pelo que ele mostrou ser até hoje: o juiz obcecado por um único réu. A delação da JBS retira de Moro o direito de usar para todos os investigados que não se chamem Lula o bordão “não vem ao caso”.
Vem ao caso, sim, e vem muito ao caso quando a polícia investiga e se esforça para reunir provas que amparem as acusações: subornos filmados, cédulas marcadas, chipes em malas e mochilas, agentes seguindo suspeitos. E crimes sendo cometidos há menos de dois meses, quando a Lava a Jato mirava numa única direção e a pilantragem ainda corria solta longe dos olhos daquela região agrícola do Sul do país.
Que a nova prática encerre e era das acusações verbais cuja comprovação é impossível por falta de investigação e evidências materiais objetivas.
Basta de power point.
Basta de documento sem assinatura.
Basta de emails secretos nunca enviados.
Basta de vazamentos planejados apenas para alimentar obsessões do judiciário e da imprensa.
A imprensa sentiu o golpe, tanto quanto alguns dos acusados. Não passa metáfora de uma corporação de editorialistas, colunistas e comentaristas de uma opinião só, mas pode-se dizer, em tom de brincadeira, que, diante de uma simples investigação de verdade, os mervais começam a abandonar o navio.

segunda-feira, 15 de maio de 2017

A DESTRUIÇÃO DE UM SERVIÇO PÚBLICO E O INSULTO A UMA GRANDE PROFISSIONAL


 Trabalhei com Sandra Brandão por alguns anos. Ela comandava o “Gabinete de Informação em Apoio à Decisão” da presidência da República. Trabalho duro, cansativo, estressante, que exigia muita pesquisa, rapidez de resposta e atendimento imediato à presidenta.
A natureza do seu trabalho e o conhecido padrão de exigência e cobrança da presidenta a obrigavam a ficar disponível, literalmente, 24 horas por dia, 7 dias por semana.
Eu também vivia um pouco desta situação. Com base nos briefings que recebia de Dilma e nas pesquisas que realizava, Sandra me municiava de dados e orientações para que eu pudesse fazer o meu trabalho – escrever análises, sugestões, artigos e discursos, muitas vezes de um dia para o outro ou, de vez em quando, com uma ou duas horas de prazo.
Meus contatos com Dilma eram raros porque Sandra sempre fazia o meio campo entre nós – e concluindo a metáfora - com a competência dos grandes camisas 10 que eu vi jogar.
Foi a melhor chefe que tive em muitos anos de profissão. Apesar da pressão com que ela precisava lidar, jamais foi descortês ou rude comigo. Eu sabia exatamente quando ela estava tensa, mas ao contrário de muitos chefes que conheci, alguns inclusive neste governo, Sandra jamais fugia de sua responsabilidade apenas transferindo aos subordinados a pressão que sofria. No máximo, dividia com eles o esforço para encontrar soluções em situações críticas.
Eu devolvi a gentileza e o profissionalismo da melhor maneira que pude: trabalhando, e trabalhando muito, sem jamais reclamar de qualquer demanda, por mais difícil e urgente que fosse.
Falo sobre Sandra Brandão porque esta é uma dívida de gratidão que tenho com ela. Mas faço este reconhecimento, hoje, porque imagino o quanto ela ficou triste e indignada com a notícia de que o atual presidente da República forjou um contrato para a babá de seu filho justamente no “Gabinete de Informação em Apoio à Decisão”, um serviço público que Sandra dignificou e engrandeceu enquanto esteve lá e que, agora, com uma canetada, é enlameado e jogado no lixo.

EM TEMPO, e apenas para escarnecer daqueles que certamente encontrarão neste texto algum motivo para identificar e xingar "petralhas" ou "comunistas": trabalhei seis anos com Sandra Brandão e até hoje não sei se ela pertence a algum partido ou tem vinculo com valores que não sejam a defesa da democracia, dos direitos humanos e da inclusão social.
Como eu.

quinta-feira, 11 de maio de 2017

VEJA AGORA ALGUNS GOLS DA PARTIDA, QUE AS TEVÊS ABERTAS NÃO MOSTRARAM




Moro:-O sr. não sabia dos desvios da Petrobrás?
Lula:- Ninguém sabia dos desvios da Petrobrás. Nem eu, nem a imprensa, nem o senhor, nem o ministério público e nem a PF. Só ficamos sabendo quando grampearam o Youssef.
Moro:- Mas eu não tinha que saber. Não tenho nada com isso.
Lula: -Tem sim. Foi o sr. quem soltou o Youssef.
...
Moro:- Sr ex presidente, vc não sabia que Renato Duque roubava a Petrobrás?
Lula: - Dr.!! o filho quando tira nota vermelha, ele não chega em casa e fala: pai tirei nota vermelha.
Moro:- Os meus filhos falam.
Lula:- Dr Moro, o Renato Duque não é seu filho.
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Moro: "saíram denúncias na folha de São Paulo, e no jornal O Globo de que..."
Lula: "Dr. não me julgue por notícias, mas por provas."
...
"O Dallagnol não tá aqui, eu queria o Dallagnol aqui pra me explicar aquele PowerPoint.
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Moro: O Sr. Sabe de quem é o triplex?
Lula: Se o Sr. não sabe, imagina eu?
...
Moro: - Esse documento em que a perícia da PF constatou ter sido feita uma rasura, o senhor sabe quem o rasurou?
Lula: - A PF não descobriu quem foi?
Moro: - Não!
Lula: - Então, quando descobrir, o senhor me fala! Eu também quero saber!
...
Moro: "Tem um documento aqui que fala do triplex...."
Lula: Tá assinado por quem?
Moro: Hmm... A assinatura tá em Branco...
Lula: Então o senhor pode guardar, por favor!
...

LULA: Doutor Moro, o senhor já deve ter ido com sua esposa numa loja de sapatos e ela fez o vendedor baixar 30 ou 40 caixas de sapatos, experimentou vários e no final, vocês foram embora e não compraram nenhum. Sua esposa é dona de algum sapato, só porque olhou e provou os sapatos? Cadê uma única prova de que eu sou dono de algum tríplex? Apresente provas doutor Moro?
...
Moro: O senhor solicitou à OAS que fosse instalado um elevador no tríplex?
Lula: O senhor está vendo essa escada caracol nessa foto? Essa escada tem dezesseis degraus e é do apartamento em que eu moro há 18 anos em São Bernardo. Dezoito anos a Dona Marisa, que tinha problema nas cartilagens do joelho passou subindo e descendo essa escada. O senhor acha que eu iria pedir um elevador no apartamento que eu não comprei, ao invés de pedir um elevador no apartamento em que eu moro, para que a Dona Marisa não precisasse mais subir essa escada?
...
Moro: O senhor tem essas reclamações contra a imprensa, eu compreendo. Mas esse realmente não é o foro próprio pro senhor reclamar contra o tratamento da imprensa. O juízo não tem nenhuma relação com o que a imprensa publica ou não publica...
Lula: Doutor, o senhor sem querer talvez entrou nesse processo. Sabe por quê?
Moro: Hum?
Lula: Porque o vazamento de conversas com a minha mulher e dela com meus filhos foi o senhor que autorizou.
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Lula: Vamos, com todo o respeito, tomar cuidado com as declarações.
O sr. sabe da mágoa profunda que eu tenho do vazamento das minhas conversas com a minha mulher.

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LULA: Esse julgamento é feito pela e para a imprensa.
MORO: O julgamento será feito sobre as provas. A questão da imprensa está relacionada a liberdade de imprensa e não tem ligação com o julgamento.
LULA: Talvez o senhor tenha entrado nessa sem perceber, mas seu julgamento está sim ligado a imprensa e os vazamentos. Entrou nessa quando grampeou a conversa da presidente e vazou, conversas na minha casa e vazou, quando mandou um batalhão me buscar em casa, sem me convidar antes, e a imprensa sabia. Tem coisas nesse processo que a imprensa fica sabendo primeiro que os meus advogados. Como pode isso? E, prepare-se, porque estes que me atacam, se perceberem que não há mesmo provas contra mim e que eu não serei preso, irão atacar o senhor com muito mais força.

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segunda-feira, 10 de abril de 2017

O DISCURSO DE DILMA NO DIA EM QUE O SENADO DERRUBOU O GOVERNO

Ao cumprimentar o ex-Presidente Luís Inácio Lula da Silva,
cumprimento todos os senadoras e senadores, deputadas e deputados, presidentes de partido, as lideranças dos movimentos sociais. Mulheres e homens de meu País.

Hoje, o Senado Federal tomou uma decisão que entra para a história das grandes injustiças. Os senadores que votaram pelo impeachment escolheram rasgar a Constituição Federal. Decidiram pela interrupção do mandato de uma Presidenta que não cometeu crime de responsabilidade. Condenaram uma inocente e consumaram um golpe parlamentar.

Com a aprovação do meu afastamento definitivo, políticos que buscam desesperadamente escapar do braço da Justiça tomarão o poder unidos aos derrotados nas últimas quatro eleições. Não ascendem ao governo pelo voto direto, como eu e Lula fizemos em 2002, 2006, 2010 e 2014. Apropriam-se do poder por meio de um golpe de Estado.

É o segundo golpe de estado que enfrento na vida. O primeiro, o golpe militar, apoiado na truculência das armas, da repressão e da tortura, me atingiu quando era uma jovem militante. O segundo, o golpe parlamentar desfechado hoje por meio de uma farsa jurídica, me derruba do cargo para o qual fui eleita pelo povo.

É uma inequívoca eleição indireta, em que 61 senadores substituem a vontade expressa por 54,5 milhões de votos. É uma fraude, contra a qual ainda vamos recorrer em todas as instâncias possíveis.

Causa espanto que a maior ação contra a corrupção da nossa história, propiciada por ações desenvolvidas e leis criadas a partir de 2003 e aprofundadas  em meu governo, leve justamente ao poder um grupo de corruptos investigados.

O projeto nacional progressista, inclusivo e democrático que represento está sendo interrompido por uma poderosa força conservadora e reacionária, com o apoio de uma imprensa facciosa e venal. Vão capturar as instituições do Estado para colocá-las a serviço do mais radical liberalismo econômico e do retrocesso social.

Acabam de derrubar a primeira mulher presidenta do Brasil, sem que haja qualquer justificativa constitucional para este impeachment.

Mas o golpe não foi cometido apenas contra mim e contra o meu partido. Isto foi apenas o começo. O golpe vai atingir indistintamente qualquer organização política progressista e democrática.

O golpe é contra os movimentos sociais e sindicais e contra os que lutam por direitos em todas as suas acepções: direito ao trabalho e à proteção de leis trabalhistas; direito a uma aposentadoria justa; direito à moradia e à terra; direito à educação, à saúde e à cultura; direito aos jovens de protagonizarem sua história; direitos dos negros, dos indígenas, da população LGBT, das mulheres; direito de se manifestar sem ser reprimido.

O golpe é contra o povo e contra a Nação. O golpe é misógino. O golpe é homofóbico. O golpe é racista. É a imposição da cultura da intolerância, do preconceito, da violência.

Peço às brasileiras e aos brasileiros que me ouçam. Falo aos mais de 54 milhões que votaram em mim em 2014. Falo aos 110 milhões que avalizaram a eleição direta como forma de escolha dos presidentes.

Falo principalmente aos brasileiros que, durante meu governo, superaram a miséria, realizaram o sonho da casa própria, começaram a receber atendimento médico, entraram na universidade e deixaram de ser invisíveis aos olhos da Nação, passando a ter direitos que sempre lhes foram negados.

A descrença e a mágoa que nos atingem em momentos como esse são péssimas conselheiras. Não desistam da luta.

Ouçam bem: eles pensam que nos venceram, mas estão enganados. Sei que todos vamos lutar. Haverá contra eles a mais firme, incansável e enérgica oposição que um governo golpista pode sofrer.

Quando o Presidente Lula foi eleito pela primeira vez, em 2003, chegamos ao governo cantando juntos que ninguém devia ter medo de ser feliz. Por mais de 13 anos, realizamos com sucesso um projeto que promoveu a maior inclusão social e redução de desigualdades da história de nosso País.

Esta história não acaba assim. Estou certa que a interrupção deste processo pelo golpe de estado não é definitiva. Nós voltaremos. Voltaremos para continuar nossa jornada rumo a um Brasil em que o povo é soberano.

Espero que saibamos nos unir em defesa de causas comuns a todos os progressistas, independentemente de filiação partidária ou posição política. Proponho que lutemos, todos juntos, contra o retrocesso, contra a agenda conservadora, contra a extinção de direitos, pela soberania nacional e pelo restabelecimento pleno da democracia.

Saio da Presidência como entrei: sem ter incorrido em qualquer ato ilícito; sem ter traído qualquer de meus compromissos; com dignidade e carregando no peito o mesmo amor e admiração pelas brasileiras e brasileiros e a mesma vontade de continuar lutando pelo Brasil.

Eu vivi a minha verdade. Dei o melhor de minha capacidade. Não fugi de minhas responsabilidades. Me emocionei com o sofrimento humano, me comovi na luta contra a miséria e a fome, combati a desigualdade.

Travei bons combates. Perdi alguns, venci muitos e, neste momento, me inspiro em Darcy Ribeiro para dizer: não gostaria de estar no lugar dos que se julgam vencedores. A história será implacável com eles.

Às mulheres brasileiras, que me cobriram de flores e de carinho, peço que acreditem que vocês podem. As futuras gerações de brasileiras saberão que, na primeira vez que uma mulher assumiu a Presidência do Brasil, a machismo e a misoginia mostraram suas feias faces. Abrimos um caminho de mão única em direção à igualdade de gênero. Nada nos fará recuar.

Neste momento, não direi adeus a vocês. Tenho certeza de que posso dizer “até daqui a pouco”.

Encerro compartilhando com vocês um belíssimo alento do poeta russo Maiakovski:

”Não estamos alegres, é certo,
Mas também por que razão haveríamos de ficar tristes?
O mar da história é agitado
As ameaças e as guerras, haveremos de atravessá-las,
Rompê-las ao meio,
Cortando-as como uma quilha corta.“

Um carinhoso abraço a todo povo brasileiro, que compartilha comigo a crença na democracia e o sonho da justiça.