Não acreditem nisso. Não foi assim no tempo em que estive lá e tenho certeza de que não é assim agora. No meu tempo, o jornalismo da Globo era dirigido por Evandro Carlos de Andrade, profissional tão competente quanto idiossincrático, mas zeloso de suas atribuições. Ouvia os seus executivos e editores-chefes, mas não dividia com eles as decisões finais, pelas quais assumia sozinho toda a responsabilidade.
Evandro, posso assegurar, nunca mandou ninguém manipular uma notícia a favor ou contra quaisquer candidatos. Vivemos, naquela época, uma espécie de dilema editorial, cuja solução não deixou de provocar polêmica: como o Jornal Nacional deveria tratar uma campanha eleitoral para a presidência que, sabia-se de antemão através das pesquisas, seria decidida em primeiro turno e despertava escasso interesse nos telespectadores?
A minha proposta, acolhida pela direção de jornalismo, foi dedicar pouco tempo ao assunto. Os candidatos desfilavam à vontade no eleitoral gratuito, que espremia o JN contra a novela das oito e reduzia o telejornal a míseros 20 minutos diários, com versões diferentes para distintas regiões do país. Fomos criticados pelos analistas de mídia porque não deixamos de noticiar ações de governo de Fernando Henrique. É bem verdade que FH não fazia, como Lula, uma mistura tão promíscua entre ação de governo e palanque eleitoral. Mas também era presumível que decisões positivas do governo pesassem a favor do presidente.
Eis aqui o nó difícil de desatar: noticiar, ainda que discretamente, os atos do governo, ou privar o telespectador de informações oficiais que podiam afetar sua vida? Balançamos entre uma e outra atitude durante boa parte da campanha. E fomos criticados pelos analistas, tanto os de boa-fé quanto aqueles que criticariam qualquer decisão que a Globo viasse a tomar, apenas por ser a Globo. E que, por certo, continuam fazendo isso agora.
O Brasil vive hoje um período parecido: um presidente governa e, ao mesmo tempo, é favorito nas pesquisas para a (re) eleição. A linha editorial é diferente. A Globo dá muito mais espaço à campanha eleitoral. Tenta parecer justa na divisão do tempo entre os candidatos, mas continua sendo acossada por críticas, ainda que, hoje, mais amenas que as que sofria no meu tempo.
Como disse no começo deste texto, não acredito que a cúpula da emissora esteja preocupada em ajudar ou prejudicar candidatos. Do ponto de vista empresarial, nem seria inteligente. Do ponto de vista jornalístico, seria trágico para a imagem de uma empresa tão visada por um passado do qual é difícil se libertar.
O que a Globo enfrenta, neste momento, é uma situação de irrelevância que parece atingir a mídia como um todo. Parafraseando o presidente do "nunca-neste-país", a imprensa brasileira poucas vezes foi tão abertamente crítica e livre para denunciar, acusar e, muitas vezes, achincalhar reputações. É possível que supere em poder de fiscalização o período que assistiu ao suicídio de Getúlio Vargas.
No entanto, as pesquisas de opinião mostram uma abissal incompatibilidade entre o que a mídia noticia e o que o povo conclui. Ministros do chamado núcleo do poder são derrubados por denúncias de corrupção, e Lula cresce nas pesquisas; um amigo do presidente paga ao PT uma dívida que o próprio presidente não reconhece, e Lula sobe nas pesquisas; o filho do presidente enriquece com uma empresa fantasma bafejado por dinheiro de uma concessionária pública, e Lula se consolida nas pesquisas...
Os jornalistas devem estar se perguntando:
- Somos inúteis?
- Ninguém acredita no que publicamos?
- Alguém está lendo nossos jornais e assistindo aos nossos telejornais?
2 comentários:
Editora do caderno País do Globo, Silvia Fonseca disse hoje em um debate na Puc que "os jornais nunca foram proibidos de apoiar aquele ou outro candidato", e que no Globo esse "apoio" cabe somente à editoria Opinião. Acho difícil que em época de eleições essa "opinião" caiba em meia página apenas, quando o jornal é praticamente todo eleições. Ontem deu pra ver claramente as tendências do jornal na comparação Lula X Alckmin, e não foi no box de opinião... Acho que o povo acredita no que vê nos jornais sim, mas as vezes fecha os olhos porque não aguenta o bombardeio de desgraça e sujeira. Por isso Lula vai bem nas pesquisas, porque o povo escolheu-o definitivamente a 4 anos atrás, contra o tucanato, e decide fechar os olhos pra toda a sujeira, mesmo que ela não pare de aparecer. A falta de opções faz o resto. O Brasil está sendo uma mãe para Lula. Não acho que os jornalistas sejam irrelevantes e que o povo não confie nos jornais, pelo contrário, mas apenas que em algum momento o povo disse "chega de verdades!" Dê uma olhada no texto de Kotscho pro nominimo.ibest.com.br,"A freguesa tem sempre razão". Tem a ver.
Marona, sem dúvida esta é para nós, jornalistas, uma reflexão tensa. Vou aproveitar para por um pouco mais de lenha na fogueira. Penso que a imprensa escapou por muito pouco de ser levada de roldão junto com a classe política. Conceitualmente, sobrevivemos por uma quase caridade da população que, de forma enigmática, sempre perdoa o mau jornalismo praticado no Brasil. Se você avaliar com precisão, não se faz necessário que ninguem com poder de gestão e veto diga nas redações o que deve ser mostrado ou quem deva ser apoiado. Jornalistas são medrosos por natureza. Ousam muito menos que qualquer adolescente ao enfrentar sua primeira noite na rua. É muito fácil para as empresas brasileiras de comunicação se manterem alinhadas aos interesses que lhes convier. Não há dúvidas: os profissionais que para e em nome delas atuam, em nada vão comprometê-las, não haverá mácula ou ação que tire qualquer destas empresas da cômoda e esperta posição de subserviência moral em que hoje se encontram. A verdade é que a imprensa não sabe o que pensar disso tudo que está acontecendo no País. Nunca vi imprensa e povo tão próximos na idiotice e na catatonia. E não adiante ficar tentando compreender o que houve com uma geração de jornalistas tao talentosos, corajosos, idealistas e sonhadores, que povoaram as redações nos anos 70 e que hoje são sombras daquilo que sonhavam. Sumiram Marona. Sumiram para si mesmos. Esgotaram suas forças na busca desesperada da sobrevivência. Continuam sendo grandes pessoas, excelentes amigos, mas o jornalismo foi-se embora. A instigante palpitação que os levava a arrancar informações a qualquer custo e a colocar até mesmo suas vidas em risco transformou-se na triste medida do cheque especial sempre no vermelho e da briga com o cartão de crédito. O jornalismo brasileiro é quase tão medíocre quanto a política brasileira. A única diferença -e seguramente a melhor- é que não costumamos ganhar dinheiro vendendo ambulâncias. Talvez por aí consigamos renascer das cinzas e, como diria o sábio Martinho da Vila, plantar de novo o arvoredo.
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