Quando uma senhora de 68 anos prestou depoimento às câmeras da novela Páginas da Vida revelando que se masturba e que só gozou pela primeira vez depois dos 40 estava sendo sincera, certo?
Quando esta senhora decidiu expor sua intimidade a 50 milhões de pessoas o fez por livre e espontânea vontade, certo?
Quando editou a entrevista desta senhora, a produção da novela da Globo apenas escolheu os trechos mais importantes, certo?
Na verdade, está tudo errado.
O assunto é velho e só merece ser abordado porque dona Conceição decidiu processar a TV Globo. Ela alega que a emissora botou no ar apenas as partes mais fortes do seu depoimento e que, por causa do escândalo que causou, perdeu o emprego de babá na casa de uma família carioca.
Está tudo errado porque o fato de alguém dizer o que pensa e sente não é garantia absoluta de que o seu depoimento seja necessário e deva ser exibido ao público. Especialmente quando o protagonista for uma pessoa comum.
Está tudo errado porque emissoras de tevê não podem se eximir de responsabilidade pelo que veiculam apenas porque o autor de declaração não soube prever a repercussão do que estava dizendo. Isso pode valer para um político ou para qualquer um que exerça atividade pública, mas não vale para a dona Conceição.
O telejornalismo da Globo tinha como critério – e creio que ainda tem – que as sonoras veiculadas em suas matérias são de responsabilidade da emissora, mais que dos seus próprios autores, razão pela qual não deve exibir, por exemplo, descrições de criminosos feitas por testemunhas que, mesmo sem se dar conta, podem ser alvo de perseguição ou intimidação.
O mesmo critério se aplica, ou deveria se aplicar, nos telejornais, àquelas primitivas enquetes em que um repórter expôe a ignorância dos entrevistados – os malditos “povo-fala” - apenas para fazer escada para a sua matéria. Mostra, com a enquete, que o povo desconhece completamente o assunto que, enfim, acabará abordando, didaticamente.
O povo-fala explora a desinformação dos outros e nada acrescenta à reportagem. E ainda submete o entrevistado à tensão de falar de sopetão, sem direito de pensar – dificuldade da qual o próprio repórter está livre, já que tem o privilégio de planejar o que vai dizer, escrever, decorar e regravar a sua passagem quantas vezes quiser.
Vale para a dona Conceição o que vale para todo o povo: a tevê não tem o direito de exibir declarações que, ainda que sejam úteis para a pauta, representem para os autores qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
Nenhum comentário:
Postar um comentário