domingo, 8 de junho de 2008

Para discordar de Caco Barcelos

Caco Barcellos foi uma referência para estudantes de jornalismo e jovens repórteres quando trabalhava na Folha da Manhã, em Porto Alegre, nos anos 70. Formava com Licínio Azevedo (que fim levou?) uma dupla de ótimos repórteres que, talvez inspirados em Marcos Faerman – um jornalista respeitadíssimo na época – produziam algo parecido com o “new journalism” dos americanos Truman Capote e Gay Talese. Sem o mesmo tempo para apurar, é claro, que isto é coisa de revista americana e não de jornal diário.

(Parênteses: acabo de descobrir no Google que Licínio trabalhou muitos anos em Moçambique e virou cineasta)

Caco, que já havia sido referência como repórter de jornal e revista – tabalhou na histórica Realidade – tornou-se também um ótimo jornalista de televisão. Quando trabalhei na mesma tevê, pus várias reportagens dele no ar, sempre de boa qualidade. Apenas uma delas me incomodou: a invasão de um prédio abandonado em São Paulo por um grupo de “sem-teto” em que parecia que a equipe da tevê estava, digamos, perto demais dos invasores e um pouco distante da imparcialidade que seria de se esperar. Já nem lembro se derrubei a matéria ou não, mas fiz um comentário sobre ela na crítica interna que escrevia duas ou três vezes por semana.

Neste domingo, na revista do Globo, Caco Barcelos é o entrevistado de Mauro Ventura. Entrevista a favor, é claro, como todas que são publicadas nesta seção da revista. Mas não deixa de me surpreender uma certa lassidão diante de algumas afirmações no mínimo polêmicas.

Curiosamente, o exemplo de reportagem do programa Profissão Repórter citado por Caco é uma ação da polícia para desocupar um prédio invadido por sem-teto. Desta vez, no entanto, ele explica que o programa mostrará todos os lados da realidade. Pode ser.

Na pergunta seguinte, Caco faz uma comparação insólita entre palestinos e habitantes de favelas do Rio:

“Na Cisjordânia, você tem toda a facilidade do mundo se quiser cobrir pela visão predominante, a israelense. Aqui é semelhante. Mostrar pelo lado da polícia é fácil, mas se quiser ver o resultado de um tiro de fuzil num barraco é outra coisa. Lá, quando fui para o lado palestino, veio bala – havia dois tanques israelenses.”

Há um equívoco aqui. Os favelados não são palestinos. São cariocas, habitam a mesma cidade, que deve ser integralmente controlada pelo estado. O estado não é invasor de favelas. O invasor das favelas é o traficante, que faz desses locais esconderijo e se aproveita da leniência de jornalistas e certos intelectuais para ganhar legitimidade.

Na terceira pergunta da entrevista, quando fala sobre uma peça que escreveu – “Osama, o homem-bomba do Rio” – Caco praticamente toma posição a favor do criminoso, ainda que o faça isto de maneira involuntária:

“Nas conversas com traficantes, percebi que eles têm uma imensa queixa. A mãe é empregada doméstica, passa a semana com a patroa e volta sábado à noite exausta. Ele acaba sendo criado por vizinha, irmã mais velha, avó, tio traficante, e pensa a respeito dos moleques de classe média: ‘Por que eles têm duas mães e eu nenhuma?’”

Caco Barcelos entende que traficante pode se queixar. Eu entendo que não. Só aceito queixa de suas vítimas.

Caco entende que ser filho de empregada doméstica com pouco tempo para exercer a função de mãe poderia vir a ser uma explicação para o rumo que o traficante escolheu. Eu discordo. Sou filho de mãe operária que raramente via e não virei traficante. Milhões de brasileiros são filhos de pais pobres e não se sentiram motivados a virar criminosos.

Se estivesse irritado, poderia até dizer: traficantes não respeitam as mães de suas vítimas; matam e torturam moradores de favelas que consideram inimigos ou “alemães”; estupram e seviciam meninas e adolescentes; subjugam populações inteiras; em resumo, não têm mãe porque são filhos da puta.

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