Corre risco de errar feio quem, por vício de engajamento ideológico automático, tomar partido da "modesta" Geórgia contra a "imperialista" Rússia nesta guerra deflagrada no Cáucaso. Alguns blogueiros seguem a velha fórmula: se a Geórgia é aliada dos Estados Unidos, são os americanos que estão em julgamento e, assim, a análise terá como premissa a oposição ou o apoio ao governo Bush.
Para este blog, o governo russo é uma degradação da democracia, efeito mais ou menos natural da derrocada do comunismo. Eleito, sim, mas autoritário e, muito provavelmente, criminoso. Mas nem por isto pode-se considerar o governo da Geórgia melhor. Diante da premissa de que ambos são questionáveis, mesmo assim será necessário descobrir que lado tem razão neste conflito. E não me venham os pacifistas ou relativistas dizer que ninguém tem razão em conflitos bélicos. É verdade, de vez em quando, mas mentira, quase sempre.
Os georgianos foram expulsos da Ossétia do Sul, a Geórgia anunciou um cessar-fogo e pediu a abertura de negociações, e a Rússia recusou a proposta. Os russos alegam, provavelmente com razão, que não se trata de uma retirada mas de um reagrupamento de tropas. A Rússia não exige muito para encerrar a guerra: a retirada total das tropas georgianas da Ossétia e uma declaração formal de que não voltarão a atacar o enclave.
O que impede um acordo é que Mikhail Saakashvili, presidente da Geórgia, é um mentiroso contumaz e consegue a façanha, quase impossível, de ser ainda menos confiável que as autoridades russas. É evidente que a Otan e, antes disso, os Estados Unidos, têm ótimos motivos para desconfiar da Rússia, mas estarão muito mal acompanhados se puserem em prática esta desconfiança oferecendo apoio ao governo da Geórgia.
O Globo de hoje reproduz bom artigo de Dmitri Trenin, um especialista em assuntos da região, publicado no Washington Post, do qual extraio alguns trechos.
"A Geórgia montou uma operação militar em grande escala para recuperar uma zona separatista da Ossétia do Sul.(...) Este espetacular primeiro ato no desdobramento do drama recebeu apenas a reação silenciosa da mídia internacional."
"O ato seguinte foi seguido por uma ação militar da Rússia com pesadas forças. De repente, a natureza do conflito se transformou. Ele já não é a respeito de um obscuro grupo étnico isolado em algum lugar das montanhas do Cáucaso. A imagem que ecoa ao redor do mundo é que se trata de uma invasão reincidente da Rússia contra um dos seus perquenos vizinhos. O governo de Moscou caminhou diretamente para uma armadilha preparada por Tiblisi".
"Quase inevitavelmente, o segundo ato leva ao terceiro, convocado por Saakashvili. O conflito não é mais entre Rússia e Geórgia, ele diz: é sobre valores americanos e ocidentais. A Geórgia é um estado fronteiriço numa nova confrontação: um Davi democrata lutando com o Golias russo. Isto é grave."
Dmitri Treinin encerra com uma recomendação:
"Os Estados Unidos e a Europa precisam parar e pensar. Apoiar a Geórgia é uma coisa, mas seguir o roteiro de Saakashvili é outra."
Muito mais perigosa, eu diria.
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