segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Mulheres enterradas vivas porque desobedeceram os tios

A sobrevida dos jornais impressos seria longa se mais reportagens como esta, do Le Monde, aparecessem em suas páginas repletas de notícias de ontem já divulgadas em tempo real via internet. Mas este tipo de texto é coisa rara, infelizmente.

Reproduzo trechos da tradução feita pelo UOL:

Frédéric Bobin
Eram três irmãs, com idades de 16 a 18 anos. Hameeda, Ruqqaya e Raheena viviam em Baba Kot, uma aldeia no Baluchistão, uma província árida situada no sudoeste do Paquistão, nos confins do Irã e do Afeganistão, lá onde a terra se resume a areia, pedras e rochas buriladas pelo vento. Elas morreram enterradas vivas numa vala comum. Foram vítimas de um "crime de honra" que, pela sua selvageria inédita, vem assombrando as consciências nestas últimas semanas por todo o Paquistão, onde a população geralmente aceita sem problema esses assassinatos que são práticas costumeiras ancestrais.

Hameeda, Ruqqaya e Raheena foram assassinadas em nome da tradição. Elas cometeram o crime de querer casar-se com o homem da sua escolha, e não com os primos que a tribo - dos umrani - havia indicado para elas. O que aconteceu realmente em 14 de julho, naquele dia funesto em que o crime foi perpetrado? Uma sucessão de fatos delineou-se em função das indicações que foram publicadas pela imprensa paquistanesa. Em 13 de julho, as três jovens mulheres haviam deixado sua aldeia de Baba Kot a bordo de um táxi, acompanhadas pela sua mãe e por uma tia. O grupo dirigiu-se na direção de Usta Mohammad, um vilarejo situado a 80 km, onde Hameeda, Ruqqaya e Raheena queriam comparecer no tribunal civil local para se casarem com os homens que haviam escolhido.

A escapada revelaria ser breve e, sobretudo, fatal. Mal haviam chegado a Usta Mohammad, as cinco mulheres foram raptadas por um comando de homens da tribo umrani que as perseguiam desde a sua partida. Elas tinham vilipendiado a ordem ancestral, que sujeita as moças às estratégias matrimoniais do clã, e, portanto, elas precisavam ser castigadas. Elas foram então embarcadas á força - sob a ameaça de fuzis - dentro da van Land Cruiser dos seus seqüestradores, que as conduziram de volta para a aldeia familiar de Baba Kot. Lá, uma jirga - assembléia de notáveis - estava à sua espera, solenemente convocada para decidir sobre as sanções a serem aplicadas contra elas. Prometeram-lhes uma morte muito especial. Esta seria precedida por um pavoroso suplício que deveria servir de lição para todas as outras moças da comunidade.

No dia seguinte, conduzem as cinco condenadas até a parte central de uma área deserta. Os carrascos da tribo levaram consigo uma escavadeira. A máquina começa a cavar uma fossa. Então, o motorista que está nos comandos do buldôzer aciona a lâmina dentada. Ele a dirige sobre as mulheres que estão amarradas e alinhadas. A ferramenta funciona como uma faca gigante que tritura sua carne, seus ossos, seu crânio. Depois disso, uma rajada de tiros de fuzil as ceifa. A escavadeira empurra então os corpos martirizados para dentro da vala que se tornaria o seu túmulo. Elas sangram em abundância, mas, conforme relatarão mais tarde os jornalistas paquistaneses, elas ainda não haviam sucumbido aos seus ferimentos quando os torturadores começaram a cobri-las com areia e pedras.
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A Land Cruiser que permitiu seqüestrar as cinco mulheres tinha uma placa oficial que é reservada exclusivamente para os veículos do governo do Baluchistão. Segundo apontaram várias testemunhas, o instigador do assassinato seria Abdul Sattar Umrani, que não é ninguém mais que o irmão de Sadiq Umrani, o ministro da habitação do governo do Baluchistão, um respeitado membro do Partido do Povo Paquistanês (PPP), o partido do clã dos Bhutto que está atualmente no poder no Paquistão. Por mais que o movimento que foi liderado durante mais de duas décadas por Benazir Bhutto (assassinada no final de 2007) se valha de um progressismo teórico em relação à questão dos direitos das mulheres, as tramóias e os conluios politiqueiros quase sempre acabam soterrando os nobres ideais. Acima de tudo, o PPP tenta evitar ofender os chefes de tribo do Baluchistão, uma província que contribuiu de maneira decisiva para a eleição, em 6 de setembro, de Asif Ali Zardari, o viúvo de Benazir, para a presidência do Estado.
(...)
Mir Israhullah Zehri, um representante de um partido nacionalista do Baluchistão, apresenta como argumento uma justificativa cultural dos "crimes de honra". "Estas são tradições que remontam a muitos séculos", argumenta, "e eu sempre lutarei em favor da sua manutenção".

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