quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Jornalista-administrador: nem sempre funciona

Esse negócio de participação nos lucros das empresas é muito bom quando a gente recebe uma bolada, no fim do ano. Natal gordo. Dependendo da empresa, carro novo, abatimento de prestações da casa própria. Enfim, quem pode reclamar?

Mas nem sempre funciona e nem sempre é tão bom para a empresa quanto para os funcionários.

Trabalhei num jornal - um jornal grande - que havia implantado anos antes o prêmio anual para todos - chefes, repórteres, funcionários de outros setores. De um lado, o benefício criava o esperado engajamento do empregado com os objetivos da empresa. Mas de outro lado, acabava por nos tornar administradores irracionais.

Explico.

Cabia à própria redação, sob a coordenação do aquário, a partir de proposta escrita de cada editor, estabelecer as metas do ano seguinte - gastos com insumos, investimentos, grandes viagens, esquemas de coberturas especiais (eleições, por exemplo), promoções, reajustes salariais, enfim, todas as despesas, tanto as indispensáveis quanto àquelas que enriqueceriam o trabalho jornalístico na luta contra a concorrência.

A previsão de despesa era feita de olho na expectativa de lucro. A redação não dava lucro direto, mas tinha acesso às planilhas do departamento comercial e sabia o que estava sendo estimado como faturamento.

A tendência de cada editor - ou pelo menos da maioria deles - era limitar as despesas previstas para o ano seguinte bem abaixo do lucro presumido porque esta sobra permitiria gorda participação nos lucros.

Até aí, tudo bem. Era assim que a empresa queria que agíssemos naquela nova condição de editores e administradores. Muito adulto, diziam os sábios do RH.

Até que um dia descobri que, para manter a despesa bem abaixo da previsão de lucro, a editoria de política não registrara no seu orçamento obrigatório a contratação de instituto de pesquisa, justamente num ano de eleições nacionais.

A campanha estava começando e o jornal seria provavelmente o único a não ter exclusividade de nenhuma pesquisa. Teria que publicá-las em segunda mão, depois de publicadas em outros jornais.

Entrei no aquário e apresentei o problema ao meu chefe, maior autoridade da redação. Propus que o orçamento da política recebesse um urgente complemento de verba para evitar a tragédia. A resposta que eu recebi foi uma lição sobre nossa capacidade de pensar como administradores e jornalistas ao mesmo tempo:

"Não autorizo a suplementação de verba. Vamos sem pesquisa. Meu caro, não preciso fazer mais nada, muito menos cortar minha participação nos lucros. Dentro de alguns anos terei mais de 1 milhão de dólares e poderei escolher onde morar".

Felizmente, os acionistas acabaram descobrindo a falha de planejamento e mandaram contratar o Ibope.

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