Com este texto, Zé Sérgio extingue a coluna prestes que comendou de Niterói a nado para ajudar Gabeira a ser prefeito. Nadou e morreu nas praias paradisíacas de Campo Grande.
Aguardamos novas missões ou, se for o caso (tomara que seja), mais textos sacanas sobre qualquer assunto. Até política: fazer o quê?
Toda galera na boca da espera
Conto do vigário hiperrealista ambientado no Rio de Janeiro do início do século XXI
Serra vai ser o candidato do Eduardo Paes em 2010? Como?
Quem diz isso, está de porre!
Como alguém pode imaginar um absurdo desses!?
Som na caixa que a coisa começou bem mais feia: era Wagner Montes (PDT!!!) ou Marcello Crivella, lembram? Só dava os dois nas pesquisas. Acho que foi neste momento que muita gente resolveu viajar no dia da eleição. Até que, em fevereiro ou março, o apresentador da Record tirou o time para deixar o terreno livre para o patrão.
Lula, que não tem partido, mas acha que tem base de sustentação, decidiu que seria Crivella seu candidato no Rio. Foi unânime e patética a reação dos demais pretendentes – com exceção de Chico Alencar e Solange Amaral, todos fingiram que eram candidatos do barbudo.
Eduardo Paes, que a essa altura tinha trocado o PSDB pelo PMDB, era desde o início favorito do governador, mas seria a última opção de Lula para prefeito do Rio, por conta de seu papel na CPI. Papel feio ou bonito, depende do telespectador.
Prudentemente, o esperto Cabral botou o ex-seguidor de César Maia no banco e fingiu escalar Alessandro Molon. Assim, agradaria a seção ou parte da seção carioca da legenda. Mas Lula, ainda, nem pensar. Paes não perdeu o bom humor, pois era dos poucos que sabia como essa historinha ia terminar.
Boca no trombone foi pouco para definir o que Paes fez na CPI. Molon, é claro, acreditou que seria titular até o minuto final. E até fez as pazes com Jorge Picciani, proprietário da Alerj, que até a véspera acusara de ser Satanás em pessoa.
Habilmente, e sempre com Aécio Neves e José Serra por perto, para fazer ciúme no barbudo, Sergio Cabral Filho jamais deixou de trocar juras de amor com um Lula cada vez mais intrigado, cabreiro. Mas era arroz de festa nos dois lados.
***
Foram tantos os agrados e os rapapés que o barbudo acreditou mesmo que devia ser o pai adotivo do sorridente governador. Cabral, o pai biológico, que se cuidasse! Tudo bem, andava em más companhias, mas isso podia acontecer com qualquer filho, até com o Lulinha.
Todos se sentiam ou fingiam estar sendo enganados, todos enganavam ou tentavam enganar todos. O eleitorado chegou a acreditar, inclusive, que Cabral e Picciani estavam brigados, desentendidos.
E o Molon, cadê que decolava? Lula começou a ter pesadelos com a possibilidade de um adversário de seu projeto de perpetuação no poder do antigo Partido dos Trabalhadores. Cabral sacou e, agora, pra lá de íntimo do barbudo, disse que só havia um jeito de resolver isso – colocando novamente o Paes na disputa. Ele é gente fina, chefia, já se arrependeu amargamente de tudo, vai fazer tudo o que a gente quer...
Lula não acreditou, mas a essa altura, talvez embriagado pela escalada do Corinthians na série B, apertou o botão do FDS (sigla internacional que significa algo como “dane-se!”). Topava o Paes, desde que só abrisse um sorriso de meia dentadura. E se não desse certo, FDS o Rio! Ô lugarzinho de gente metida a besta!
Tiraram a foto dos três, que ficou horrorosa. Cabral de olhos fechados, segurando o riso. Paes rindo abertamente, ô sorte! E, no meio, o barbudo de expressão fechada, cara de quem diz “o que é que estou fazendo aqui ao lado desse f...!”.
Apoiado por duas máquinas, Paes mostrou que não era nenhum Molon e foi subindo, subindo... até emparelhar com Crivella. Como sempre acontece nessas horas, começou o papo do voto útil.
Os candidatos dos demais partidos “de esquerda” (quaquaqua!) não gostaram nem um pouquinho.
O PCdoB passou a abordar a gente na rua dizendo que votar útil assim seria escolher entre dois males. Ou seja, votar inútil. Por que não a Jandira? Aí, sim, seria voto útil.
Molon, coitado, continuou indo à missa das seis, pois os poucos que ficaram ao lado dele o convenceram de que, no fim das contas, quem teria o voto do povo lulista seria ele, o puro-sangue. E voltou à parada de sucessos, quinto lugar na opinião dos ouvintes, aquela canção que fez tanta gente se emocionar em 1989, o Lulalá. Ô musiquinha que ficou chata com o tempo!
O PDT lupista, que também tinha seu candidato, Paulo Ramos, nem se incomodou muito em ter Lula como patrono. O chefe acumulando a presidência do partido e um ministério com cara de povo já era de bom tamanho. Ia concorrer só pra constar. Quem sabe, São Leonel ajudaria?
Chico Alencar, candidato do PSOL, também acreditou na possibilidade de ser ungido pelo voto útil, mas na verdade somente o povo da redoma opaca não acredita muito nisso. Até porque os heloíso-helenistas não querem nada com essa “sujeira” chamada governo. Só concorrem para ser oposição e ficam muito felizes assim. O negócio é jogar pedra no telhado alheio. E não entendem por que o povo só os reconhece nas rodas de samba...
Eis que surge, como quem não quer nada, um velho conhecido de todos, Fernando Gabeira, um verde cada vez mais maduro. Em torno dele, por falta de quadros partidários na Muy Leal y Heroyca, aquele partido paulista, o PSDB, que sequer apresentara candidato, montou seu acampamento.
Quando o juiz apitou o fim do primeiro tempo, ficaram só Paes e ... quem diria? ... Gabeira.
***
Chto dielat??? Qué hacer??? O que fazer???
Ficaram todos perplexos a bordo do ônibus que leva a classe operária ao Paraíso, passando pelo Araguaia, por São Borja e pelo ABC paulista.
Não é que o furdunço acabou com Paes e Gabeira pau a pau?
Em Brasília, 19 horas, diz a Voz do Brasil. Ouve-se um diálogo resmunguento no Planalto:
“Porra, Marisa, se não é essa crise das bolsas de valores, eu tinha dado um tiro no coco!”.
“Pára com isso, Lula, você tá falando igual ao Figueiredo, aquele que mandou te prender!”. O PT estava mais perdido do que cachorro que cai do caminhão das Andorinhas. E a tal base de sustentação lembrava mais aquele filme de suspense “A mão que balança o berço”.
Não era para menos: pelo Bananão (copyright Ivan Lessa) afora, a coisa tava pegando!
Na Bahia, Geddel Lima estava fazendo o mesmo jogo do Cabral, indo muito mais além. Ao mesmo tempo em que se ajoelhava diante do barbudo, tinha no palanque a seu lado o Grampo Neto, como o gordo peemedebista o acarinhava .
“Quem é mesmo meu candidato na Bahia, ô Wagner?” – disse o barbudo num telefonema para Salvador.
“Ô Lula!!! É não!! Era!! O Walter Pinheiro ficou te esperando no palanque até ontem. Agora, nem o Senhor do Bonfim, meu rei!!! Falando nisso, olhe, no Rio eu sou Gabeira e você devia pensar nisso também!!!”.
“Tá louco, Wagner? Ele é dos tucanos!”.
“Ó paí ó, meu rei! E o teu candidato no Rio é quem, aff?”.
Só então o rei barbudo descobriu que só podia contar agora com o Paes. Melhor ser enganado por um amigo querido, quase um filho, como o Cabralzinho, do que levar uma peixeirada pelas costas, que nem o Fernando Pimentel e o Aécio Neves fizeram lá em Beozonte. Esses mineiros só dão trabalho, diria o doutor Getúlio.
E foi aí que Lula descobriu que, fora de São Paulo, onde a vitória seria certa, no resto do país não tinha mais nem partido e nem base de sustentação confiável. Ainda assim, “eu me agaranto, vou botar a Dilma no trono”.
Peraí, vitória certa em São Paulo? De que lado estava o Quércia? Tinha algo errado nesse óleo de rícino, ou melhor, nesse raciocínio.
“Cadê os marqueteiros, Gilberto?”
No Rio, os partidos “de esquerda” aderiram firmes. O primeiro a se manifestar foi Paulo Ramos, do PDT: “Quem fuma e cheira, vota no Gabeira”. Jandira, alegremente, subiu no mesmo palanque com o mal menor e com o mal maior, que a essa altura ela nem sabia mais quem era. Ah! No palanque também estava o Dornelles, com quem a candidata trocara algumas pedradas na campanha para o Senado. Dornelles, aliás tio do Aécio, é o único que não mudou de lado. Sempre foi o primeirão no palanque. Já o Molon, tadinho, estava doido para se juntar à turma, mas só havia lugar para a Benedita.
Solange, do DEM, teria apoiado Gabeira, mas nunca ninguém a viu na campanha. Pensando bem, pra quê?
E Chico, do PSOL, pregou o voto nulo ou a confirmação da reserva feita em fevereiro.
Em Niterói, cidade vizinha ao Rio, onde muita gente ainda tem domicílio eleitoral, tudo quanto é poste tinha pregado as regras da Justiça Eleitoral sobre como justificar a ausência da cabine eleitoral. A Justiça Eleitoral fez o que devia. Mas quem pregou tantos cartazes assim?
***
Lula acordou no sábado, véspera do grande dia, com um jingle das antigas na cabeça. Atordoado, foi votar no Luiz Marinho, em São Bernardo. Vice Frank Aguiar, êta ferro, salve o PT...
Em Sampa, a metrópole vizinha, a vitória certa da Marta deixou de ser certa há muitos dias, desde que a sexóloga liberal e seu marqueteiro lançaram dúvidas sobre, digamos, o estado civil do adversário Kassab.
Jacques Wagner telefonou mais uma vez para o velho amigo, insistindo no Gabeira, mas já sabendo que era tarde.
Pegou o barbudo num momento ruim:
“Porra, Alemão, já não basta perder de um v..., vou perder de dois?”.
E foi então que o povo caminhou rumo às urnas eletrônicas, parado a todo instante na Cesário de Mello, na Geremário Dantas, na Intendente Magalhães, na Dom Hélder Câmara, na Ministro Edgar Romero, pelos vizinhos já com a boquinha pronta para recebê-los nas sinecuras municipais.
“O Gabeira é Zona Sul! Te chamou de suburbano, aquele maconheiro! O cara nem gosta de samba! Viu o “tamaninho” da cueca daquele terrorista?”.
Na TV, com mais dois pagodeiros, Noca da Portela, ex-secretário de Cultura de Rosinha Garotinho, pediu votos para o Paes, interpretando o papel de suburbano ressentido. Esse Noca!!! Bárbara Heliodora aplaudiria.
Baixa o pano. Fim do segundo tempo. Apito final.
***
Aí caiu a ficha. O barbudo lembrou do tal jingle da véspera.
Era mais ou menos assim:
“Toda a galera na boca da espera
Batalha final, cabine eleitoral...
Nelson, Danton e Farah!
É o M, é o D, é o B! É o M, é o D, é o B”
Lula tentou descansar a cabeça, lembrando da crise que continuava abalando os mercados. Mas nem a recessão, o fim da Rodada de Doha ou o aquecimento global serviriam de lenitivo.
Num histórico disco do Cartola, lançado por Marcus Pereira, o gênio mangueirense convoca os músicos antes de cantar um samba genial dizendo assim:
“Ô Dino! Ô Meira! Canhoto! Cadê o Gilberto, taí?”.
Lula fez parecido:
“Ô Dilma! Ô Mantega! Meirelles! Cadê o Gilberto Carvalho?”.
Tomado pelo pavor, o barbudo pegou o controle remoto e ligou a TV na Globonews. A jornalista com cara de índia e a cientista política com narinas de grã-fina rodriguiana mal seguravam a gargalhada cada vez que pronunciavam as quatro letras do partido mais malandro da história universal.
Elas e o país inteiro já sabiam o que o barbudo só foi descobrir uns dias antes. Quem ganhou as eleições não foi o Lula. E nem mesmo o inimigo mortal (fora de Minas), o PSDB.
Aliando-se a torto e a direito com todo mundo, de Lula ao neto do ACM, foi o PMDB o verdadeiro vencedor nas urnas.
No interiorzão, foi um arraso. Na Bahia, outro arraso. Em Porto Alegre, mais outro. Em São Paulo, o Quércia junto com o Serra que não me deixa mentir. Em Belô, perdeu, mas existe alguém mais peemedebista do que o Aécio Neves? Deixa começar o governo que a galera vai aderir legal.
E o Rio? O barbudo, preocupado com César Maia, com um PSDB que mal consegue andar com as próprias pernas, foi o último a saber que o Rio é como uma onda. E agora a onda era votar no homem contra a máquina.
E foi assim que o Rio de Janeiro, graças à boa lábia do Cabral, graças à disputa por boquinhas pelos partidos “de esquerda”, perdeu a chance de ter um prefeito, tanto faz se isento ou não na disputa em 2010, mas um prefeito que, na campanha, demonstrara claramente que estava ali para mudar o script da velha política tradicional.
Sabem quem também perdeu? Essa é do barulho! O PSOL.
Como o PSOL?
Se o pessoal da Praça Mauro Duarte e a turma do Babá tivessem percebido que onda Gabeira era muito maior do que os partidos e caciques decadentes que tiraram uma casquinha em sua candidatura, poderia ter sido vencedor no Rio. Sairia muito bem na fita para 2010, quando novamente vai se candidatar ao título de partido de oposição do país. Em vez disso, pregou o voto nulo adolescente.
O PSOL não tem culpa de nada, claro. Foram quase um milhão de cariocas que se abstiveram, votaram nulo ou em branco. Mas a diferença ridícula de 50 mil votos poderia ter sido compensada. Talvez o PSOL só tivesse metade desses votos, mas ainda assim, a disputa iria para os pênalties.
Tem moral essa história longa? Tem. O eleitorado carioca, por muito pouco, quase derrotou a maior máquina já vista na ex-capital do Bananão. E parece que tomou gosto de voltar a votar nas pessoas certas.
Eduardo Paes tem tudo para fazer um bom governo. Todo mundo tem. Ninguém em sã consciência se candidata a algum cargo público pensando “vou fazer um governo horroroso, esse povo vai ver agora o que é bom pra tosse!”. Mas que vai ser complicado atender a tantos pleitos, isso vai. Ou loteia tudo ou governa. Tia Zulmira, a matrona da Boca do Mato, tem a palavra final dessa história: “Ou todos se locupletam ou restaure-se a moralidade”. E quem quiser que conte outra.
Um comentário:
Excelente "conto"!
Espero que a consciência do carioca tenha sido um pouco despertada.
Nos resta torcer para um bom governo e aguardar o que nos espera em 2010.
Vou esperar outros textos do Zé Sérgio.
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