E assim, no tumulto, na chuva, no crepúsculo, o perdemos de vista.
Felicidade, Hans Castorp, enfermiço e cândido filho da vida! Tua história terminou. Contamo-la até o fim. Ela não foi nem breve nem longa; é uma história hermética. Contamo-la por amor a ela e não a ti, pois tu eras simples. Mas, afinal, era tua essa história, e como ela te coube em sorte, deves ter certas qualidades. Não dissimulamos a simpatia pedagógica que, ao narrá-la, começamos a nutrir por ti, e que seria capaz de nos induzir a tocar delicadamente o canto de um olho com a ponta do dedo, ao pensar que nunca mais tornaremos a ter ver nem ouvir.
Adeus - para a vida ou para a morte! Tens poucas probabilidades a teu favor. O macabro baile ao qual te arrastaram durará ainda vários anos malignos. Não queremos apostar muita coisa na tua possibilidade de escapar. Para falar com franqueza, não sentimos grandes escrúpulos ao deixar indecisa essa questão. Certas aventuras da carne e do espírito, sublimando a tua singeleza, fizeram teu espírito sobreviver ao que tua carne dificilmente poderá resistir. Momentos houve em que, cheio de pressentimentos e absorto na tua obra de "regente", viste brotar da morte e da luxúria carnal um sonho de amor. Será que também da festa universal da morte, da perniciosa febre que ao nosso redor inflama o céu desta noite chuvosa, surgirá um dia o amor?
(Encerramento de A Montanha Mágica, de Thomas Mann).
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