sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Shimon Peres: "Qualquer país faria o mesmo"

O Globo transcreve hoje uma parte da entrevista do presidente de Israel, Shimon Peres, dizendo que ela foi feita especialmente para o jornal. Reproduzo a íntegra, que encontrei no jornal português Expresso. Vale, para a maioria dos leitores, como forma de conhecer as opiniões do inimigo. O repórter, Henrique Cymerman, embora não adote tom agressivo, não deixa de fazer nenhuma pergunta, mesmo as que poderiam constrahnger Shimon Peres. E aproveitem para ler, enquanto é tempo, o delicioso português de Portugal.

Neste momento, há mísseis no norte que foram disparados do Líbano contra Israel. Isto quer dizer que vai abrir-se uma nova frente nesta guerra?

Não creio. Penso que os disparos foram realizados por um dos grupos extremistas do Líbano, a " Frente Nacional". Trataremos o assunto de forma adequada.

Israel está a passar dias difíceis e penso que o senhor também. Porque regressou Israel a Gaza?

Israel não regressou a Gaza. Israel foi a Gaza para acabar com os foguetes e mísseis. Em 2005, não ficou lá nenhum militar ou cidadão israelita. Desmantelámos os nossos colonatos, mandámos 45 mil polícias para os trazerem para casa. A Faixa estava nas mãos dos palestinianos, livre da ocupação, com as fronteiras abertas e o comércio a funcionar. O problema é a natureza do Hamas. É a primeira vez na história da Humanidade que um grupo tão extremista, fanático e irresponsável, se apodera de um pedaço de terra e o transforma numa base de tiro sem qualquer razão conhecida nem qualquer motivo declarado. Nenhum país do mundo poderia suportar que fossem lançados, diariamente e sem qualquer motivo, 90 mísseis contra os seus centros urbanos e os seus cidadãos. Gostaria que quem nos critica tivesse posto termo a esta situação. Mas ninguém tenta acabar com ela nem consegue fazê-lo. Daí o estarmos sozinhos. Temos que proteger a nossa população. É inimaginável que um milhão de israelitas viva em abrigos, só porque existe um grupo de desequilibrados que dispara contra nós. O mundo está de acordo connosco. Há duas excepções, dois satélites do Irão: o Hezbollah, no Líbano, e o Hamas, em Gaza, estão ao serviço de um país estrangeiro. São satélites dos iranianos, que pretendem apoderar-se do Médio Oriente.

Gostaria de saber como se sente, como homem de paz, perante as imagens de dezenas de famílias e crianças assassinadas em Gaza?

Essa não foi uma escolha nossa. Foi a falta de alternativas que nos levou a isso. Não é possível alcançar a paz se deixarmos agir as pessoas que desejam destruir a paz e lhes deixarmos as mãos livres. Temos que fazer qualquer coisa. E digo-lhe que, no fim, o mundo irá agradecer-nos, porque se permitirmos o êxito do Hamas, o mundo tornar-se-á incontrolável. Trata-se de um grupo ilegal. Começaram a sua revolução contra a Autoridade Palestiniana. Mataram centenas de líderes e membros da Fatah em Gaza, atirando contra eles dos telhados dos edifícios para as ruas e provocando a sua morte. O Presidente Mahmud Abas não os reconhece. Tentar legalizá-los ou levá-los à razão equivale a apoiar um mundo selvagem e impossível.

Que diria a quem afirma que Israel está a cometer um massacre em Gaza?

Penso que se trata de declarações feitas sem conhecimento dos factos. O que diriam se lhes contasse que o Hamas está a utilizar crianças para esconder armas, como escudos humanos? Terão resposta para isto? O que diriam se lhes contasse que o Hamas utiliza as mesquitas como arsenais, enterrando armas lá dentro? O que diriam se lhes contasse que há terroristas disfarçados nos hospitais? Têm alguma influência sobre isto? Em primeiro lugar, não tenho a certeza de que conheçam os factos. Mas mesmo assim, serão capazes de fazer mudar o comportamento do Hamas? Quem são eles? Professores universitários, a quem compete notas? Conseguem acabar com isto? Se o conseguirem fazer, garanto que nenhum soldado israelita porá os pés em Gaza. Mas ninguém consegue alterar a situação, portanto, fazem-se muitas declarações para impressionar. É escandaloso e irresponsável da parte de quem as faz.

O que aconteceu na escola gerida pela ONU? Israel pediu à população que abandonasse as suas casas. Refugiaram-se na escola...

Antes de mais, avisámos a ONU de que o Hamas utiliza as suas instalações como plataforma para lançar mísseis e atacar Israel. Pedimos à ONU que investigasse o assunto. Eles não respeitam nada. Nem leis, nem regras, nem a vida humana. Ninguém consegue explicar porque estão a disparar foguetes e mísseis. Há declarações pacifistas contra a guerra. Eu também sou contra a guerra, contra os tiros e a favor da paz. Mas, se deixarmos que continuem aos tiros, não haverá paz.

Insisto: que culpa têm estas crianças e estes adultos palestinianos inocentes?

Quem disse que são culpados? Eu digo que é um crime eles esconderem granadas de mão em infantários (creches). Insisto que o pior dos crimes é esconder projécteis de morteiro numa escola. No passado, ninguém fez nada de semelhante.

Parece-lhe que esta operação militar está a alcançar os objectivos?

Não tínhamos qualquer objectivo. Fomos atacados e tivemos que defender as nossas vidas. Não temos por objectivo conquistar Gaza nem queremos a sua terra ou os seus bens. Tudo isso não interessa. O que queremos é que os nossos cidadãos sejam livres. Que as crianças possam ir tranquilamente para a escola, todas as manhãs. E que um milhão de cidadãos do sul do país não tenham que viver em abrigos.

O que sentiu ao ouvir Chávez falar sobre Gaza e Israel?

Sinto que o petróleo é capaz de alterar o raciocínio de grandes líderes.

O que pensa dos comentários de outros líderes, como o presidente do Governo espanhol, que declarou que a operação de Israel é desproporcionada?

Como se define "proporcional"? O ataque terrorista ao comboio, em Madrid, é proporcional? O que é proporcional? Gostaria de saber. São disparados 50 foguetes por dia contra Israel. Isso é proporcional? Não nos referimos a proporções. Exigimos que parem os ataques contra a nossa população. É só isso.

Parece-lhe que o mundo entende aquilo que Israel enfrenta?

Sim. Depende de quem entendemos por "mundo". A Índia, os EUA e a China, por exemplo, apoiam-nos. A maior parte do mundo compreende perfeitamente o que estamos a fazer e sabe que somos pessoas pacíficas, que amamos a paz e que não procurámos esta guerra. Abandonámos Gaza por iniciativa própria em 2005. Em nome da paz, entregaremos a terra e as nascentes de água a quem quiser firmar a paz connosco. Os egípcios, os jordanos, os palestinianos com os quais estamos a negociar. Penso que, hoje, o que há é uma luta e não um choque de civilizações: a tensão não é entre cristãos, judeus e muçulmanos, mas entre a civilização e a anti-civilização, ou seja, o terrorismo. Todas as religiões têm os seus extremistas. Se quisermos deixá-los ganhar, muito bem. Veremos o tipo de mundo que daí resultará. Se quisermos travá-los, é preciso tomar as medidas necessárias para tal.

Benita Ferrero, da União Europeia, disse-lhe que Israel está a prejudicar a sua imagem por muitos anos. Qual foi a sua resposta?

A minha resposta é que, por vezes, é preciso pôr em perigo a imagem, para salvar a vida dos nossos cidadãos. Com todo o respeito pela "imagem", nós também perdemos centenas de mulheres e crianças em atentados. Eu não diria que é preciso perder centenas de vidas para melhorar a nossa imagem. E aos olhos de quem? As pessoas que vivem o que nós temos que viver compreendem-nos perfeitamente. As pessoas que não vivem essa situação dizem-nos: "não façam isso". A escolha não é nossa. Além disso, não sei quem é o juiz supremo. Creio que, no íntimo, muitas pessoas que nos "condenaram" publicamente sabem que temos razão, que não há ninguém que nos proteja, além de nós mesmos. Que qualquer país faria exactamente igual.

Alguns países árabes fizeram vista grossa?

Claro que sim. O Irão e os seus satélites, o Hezbollah e o Hamas, são os maiores inimigos do mundo árabe. Existem 350 milhões de árabes. Dezenas de milhões de iranianos querem governar o Médio Oriente. Isso não agrada aos árabes, que não desejam tal coisa. Acredita que o Presidente palestiniano Abas gosta do que o Hamas fez à sua gente? Matá-los e expulsá-los de Gaza? Vejam o caso de Mubarak. Ele não está ao serviço de Israel. Está ao serviço do mundo árabe, do Egipto. Por que motivo, depois de Rabin, nenhum líder israelita conseguiu levar o acordo de paz com os palestinianos até à última linha?
O problema não está no lado israelita. Infelizmente, o problema reside na divisão que existe entre os palestinianos. Nenhum líder israelita é capaz de unir ou dividir os árabes. Um mandatário israelita é capaz de tomar decisões sobre a política de Israel. Penso que o actual Governo deseja a paz. Não tenho a menor dúvida. Mas nem a ANP nem o Egipto conseguiram evitar que o Hamas impeça a criação de um Estado palestiniano. Eles é que são o problema, não a liderança israelita.

Até que ponto são visíveis as marcas do Irão no aparelho do Hamas?

São invisíveis, porque tentam encobri-las. Mandam armas para a Síria para que o Hezbollah as receba. Agora estão a tentar introduzir armas em Gaza. A maioria dos mísseis do Hamas provêm do Irão. O Irão é o centro do terror mundial. O Irão é o único país do mundo que tem ambições imperialistas, ou seja, governar o Médio Oriente em nome da religião. O Irão financia, treina e arma quase todos os grupos terroristas.

Israel diz que há líderes do Hamas escondidos no Hospital Shifa, de Gaza. A prisão desses líderes é um dos vossos objectivos, para criar uma imagem de vitória?

Nem todos os líderes lá estão, apenas alguns deles. Normalmente, escondem-se no seio de famílias e não queremos prejudicar pessoas inocentes. Abrimos as fronteiras para as necessidades da população civil, mas fechámo-las para as armas iranianas. O que o Hamas exige é que abramos passagem para receberam as armas procedentes do Irão, o que é inaceitável. Em resumo, queremos capturar os líderes do Hamas sem pôr em perigo a população civil.

A que distância se encontra a trégua em Gaza e quais são as condições israelitas para a conseguir?

A fronteira de Rafah estará fechada às armas. Não permitiremos o contrabando de armas através dos túneis e queremos que ponham termo aos tiros e ao terror. A única coisa que queremos é ser um povo normal.

Israel aceitaria uma força internacional entre Gaza e o Egipto, semelhante à do Líbano?

São situações diferentes porque, no Líbano, pelo menos há a presença de um exército libanês e a força internacional passou a ser eficiente depois de ter aprendido a lição da Segunda Guerra do Líbano. Nasrallah disse que, se tivesse sabido de antemão como seria dura a reacção israelita, teria pensado duas vezes antes de sequestrar os dois soldados israelitas. Esses aprenderam a lição. Agora, o Hamas precisa de aprender a mesma lição: se nos atacarem, sofrerão as consequências.

Ou seja, na sua opinião, a possibilidade de criar uma força internacional é viável?

Não sabemos bem onde instalaríamos essa força internacional, mas não nos opomos a essa possibilidade. Também não sabemos bem qual seria a sua função. Por exemplo: se o Hamas abrir fogo contra essa força, esta deverá reagir? Alguém tem que encontrar resposta para estas perguntas. Como deveria actuar, se lhe chegasse a informação de que o Hamas estava a preparar uma bomba ou que tinha intenção de lançar um foguete? Como disse, não pomos de lado essa possibilidade. No Sinai também ainda há uma força internacional. A questão não é a presença de uma força internacional, mas a sua efectividade. No caso do Hamas, penso que o problema ficaria basicamente resolvido, se os egípcios assumissem a responsabilidade de controlar a fronteira entre eles e os palestinianos, proibindo o contrabando de armas e utilizando uma tecnologia capaz de identificar os túneis. Se quiserem o apoio de forças estrangeiras, melhor.

No passado, a hipótese de manter conversações com a OLP era considerada um tabu. Julga que há alguma hipótese de, no futuro, se realizar um diálogo com o Hamas?

Lembra-se de quando foi que começámos a conversar com a OLP? Foi quando Arafat declarou que aceitava a existência do Estado de Israel. Se o Hamas seguir os mesmos passos, não pomos de lado a hipótese de diálogo com essa organização. Nós lutamos contra uma política, a política do terror, que se opõe às negociações e a aceitar a existência do Estado de Israel, portanto, não temos com quem dialogar, é como falar com uma parede.

Barack Obama assumirá em breve presidência. Pensa que existe a possibilidade de um acordo com os palestinianos com mediação norte-americana?

Se pusermos fim às provocações do Hamas, consegui-lo-emos. As posições da ANP e a as nossas são muito parecidas. Nós conversamos com o Presidente Abas, que foi eleito com uma maioria de 62 por cento. O único obstáculo é o Hamas. Podemos retomar as conversações imediatamente. Quando veio cá, Obama perguntou-me o que poderia fazer para ajudar Israel. E eu respondi-lhe: Senhor Presidente, seja um grande presidente dos Estados Unidos. Obama quer a paz e conter o terror. Nós queremos exactamente o mesmo.

E em relação à Síria, o que falta para chegarem a um acordo de paz?

A decisão é da Síria. Estão ligados ao Hezbollah e aos iranianos, por um lado, e querem os Montes Golã, por outro. Terão que perceber que não podem obter as duas coisas ao mesmo tempo. Não podemos ter os iranianos na nossa fronteira. Se se tratar dos sírios e de nós, estamos dispostos a fazer o acordo. As negociações já começaram.

Senhor Peres, como Prémio Nobel da Paz e visionário do novo Médio Oriente, não é frustrante para si verificar que Israel está a viver a sua oitava guerra?

Sei que é mais difícil conseguir a paz do que fazer a guerra, embora tenha recebido o Prémio Nobel, sei que a paz não é uma festa. Existem muitas dificuldades, interesses e confrontos. Tudo o que posso dizer é que nunca renunciaremos ao nosso desejo de paz e à nossa vontade de pagar o preço necessário. Isso não está em questão. Não é o caso de outras pessoas, que matam as hipóteses de paz.

O senhor tem 85 anos, quais são os seus planos para o futuro?

Tenho apenas um plano: contribuir para alcançar a paz. Ninguém tem outra alternativa, nem os árabes nem nós, e acredito que conseguiremos lá chegar. No final de contas, todas as religiões chegaram à conclusão de que não é preciso matar e se existem minorias que perderam os valores e a fé, é preciso combatê-las e travá-las.

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