quarta-feira, 10 de junho de 2009

Petrobras: blog necessário, método péssimo

O presidente da Petrobras está errado ao afirmar, como fez no Roda Viva, que o blog criado pela empresa para se defender das acusações veiculadas pela imprensa vai “revolucionar o jornalismo brasileiro”.

Sérgio Gabrielli não precisar ser reconhecido por saber o que é jornalismo. A rigor, nem precisa provar que sabe o que é revolução. Basta-lhe entender umm pouco de petróleo e preservar a solidez e a imagem da maior empresa brasileira. É para isto que ele é pago.

De resto, se soubesse mesmo o que é jornalismo não incluiria neste ramo do conhecimento um veículo de distribuição de releases e posições oficiais de uma empresa, ainda que se trate, no caso, de um meio moderno e raramente usado para este fim no Brasil (um blog).

Assessoria de imprensa não é jornalismo.A técnica já foi incorporada, como disciplina opcional ou obrigatória, ao currículo de algumas faculdades de jornalismo. A profissão é exercida por muitos jornalistas conhecidos, alguns de inegável competência. Trata-se de função necessária, até indispensável para algumas empresas ou instituições. Muita gente vive desta atividade, dignamente.

Mas nada disso transformou assessoria de imprensa em jornalismo.

Assessor de imprensa é ex-jornalista, assim como um tocador de saxofone pode ser ex-jornalista. Ambos podem, quem sabe, voltar ao jornalismo, quando quiserem ou quando o mercado os convocar.

E que outra premissa fique logo estabelecida: jornalista não gosta de assessor de imprensa, e vice-versa. Por bons motivos. Um pode precisar de outro, e hoje em dia isto acontece cada vez mais, mas ambos sabem que têm, no fim das contas, objetivos diferentes quanto ao trabalho que estão fazendo. O primeiro se esforça para proteger a imagem de seu cliente, o segundo luta para obter informações que podem, eventualmente, prejudicar a imagem de quem sustenta o assessor. Podem se entender, podem ajudar um ou outro, mas cedo ou tarde acabarão brigando porque defendem interesses diferentes, às vezes inconciliáveis.

Volto ao blog da discórdia.

Chamar o blog “Fatos e dados” de revolucionário também é um equívoco. A origem desta idéia não podia ser mais conservadora. Nasceu em 2005, nos Estados Unidos, como forma de reação de grupos creacionistas e anti-aborto contra a mídia liberal americana.

Fontes da extrema direita assumida passaram a gravar todas as suas entrevistas, além de arquivar emails com perguntas e respostas para divulgá-las minutos depois da exibição de suas declarações nas emissoras de tevês ou nos jornais impressos.

A equipe do telejornal Nightline, da ABC News, foi um dos primeiros alvos desta reação. A rede transmitiu uma reportagem sobre a defesa do creacionismo e incluiu entrevista com uma organização que defende a teoria, o Discovery Institute. No entanto, reproduziu apenas uma poucas frases dos entrevistados, como as emissoras de tevês costumam fazer. No dia seguinte, o grupo postou em seu site na internet a íntegra da entrevista, antecedida da observação:"Aqui está sua chance de penetrar nos bastidores da mídia nacional para ver como eles fazem uma triagem dos pontos de vista e informações que não se encaixam nos seus estereótipos".

O blogueiro e professor de jornalismo Jay Rosen interpretou esta novidade como uma mudança importante na relação entre fonte e receptor.

— Nesse novo mundo, o público e as fontes são também publicadores. Eles agora dizem aos jornalistas: nós também somos produtores de informação. Portanto, a entrevista fica no meio, entre nós. Vocês produzem coisas a partir dela e nós também. De agora em diante, numa situação de entrevista potencialmente hostil, esta será a norma.

“Potencialmente hostil” é uma boa expressão para definir a relação da imprensa com a Petrobras neste momento.

Mas demorou mais de três anos para que a tendência nascida nos Estados Unidos chegasse ao Brasil. O fato de ter tido origem num movimento conservador de reação à imprensa progressista desqualifica a repetição da experiência por aqui? Claro que não, mas também não ajuda a defini-la como revolucionária.

Se foi usada contra a imprensa liberal, pode ser usada contra a imprensa conservadora. Pode ser usada contra quem quer que, no exercício do jornalismo, deixe de merecer a plena confiança da fonte. Eis, aqui, a verdadeira ideologia do método tecnológico: o blog é uma arma de defesa contra eventuais agressões à verdade, assim como pode ser um instrumento de ataque aos que buscam informação verdadeira.

Recentemente, a Secom distribuiu a toda a imprensa a íntegra da entrevista feita com Lula pela revista Piauí. Todas as perguntas e todas as respostas, sem cortes, estavam na internet em duas ou três horas. Curiosamente, a íntegra da Secom teve mais repercussão do que a edição feita pela revista, mesmo porque tratava-se de um caso, não muito raro, em que as perguntas eram muito piores que as respostas.

O que a Secom fez naquela ocasião é o que a Petrobras resolveu fazer agora, por justas razões e por outro meio – um blog na internet. Poderia ser uma prática rotineira de órgãos e empresas públicas, assim como de instituições e empresas privadas. É provável que venha a ser, em breve.

Não deveria estar em discussão a legitimidade da criação de um blog por meio do qual a Petrobras defenda sua imagem na verdadeira guerra de informação insuflada pela CPI. Mas fazer da pauta da CPI uma cruzada contra a imprensa é um equívoco da estatal.

A Petrobras inova ao criar o blog. Mais do que isso, inibe abusos da imprensa. O jornal que publicar matéria de denúncia contra a empresa será muito mais cuidadoso e preocupado com a verdade e o equilíbrio se souber, de antemão, que suas informações poderão ser ampla e minuciosamente contestadas por um veículo aberto ao acesso de todos – leitores do jornal ou não.

Mas há um limite a partir do qual o que é exercício de legítima defesa torna-se abuso de poder, quebra de confiança e intimidação. O blog da Petrobras não pode publicar as informações obtidas pelo jornalista antes do jornal para o qual ele está fazendo a reportagem. Agindo assim, a Petrobras perde a razão.

Abuso de poder e intimidação são dois defeitos que muita gente atribui à imprensa brasileira. Contra eles, a melhor arma, na luta pela opinião pública, é a legítima defesa. Nunca abuso de poder e intimidação antecipados.

O fato de assessoria de imprensa não ser uma forma de jornalismo não exime seus profissionais de saber como o jornalismo funciona. Eles têm obrigação de entender que jornalismo não é mera transcrição de declarações e informações brutas. Isto qualquer estafeta faz. Jornalismo é processamento de informação, que começa com a capacidade de buscar conteúdo útil e termina com o domínio da técnica de edição dos dados apurados.

Jornalismo significa oferecer ao público específico de cada veículo informação de qualidade, com bom texto final e boa apresentação gráfica - seja na forma impressa, seja por qualquer outro meio. Quem fizer tudo isto melhor, mais valorizado será pelo público.

Além disso, a assessoria de imprensa da Petrobras precisa apresentar uma resposta razoável e honesta para a seguinte pergunta, obrigatória diante da prática inaugurada com o blog: o que um repórter fará, quando tiver uma denúncia contra a empresa, se souber que, ao procurar a assessoria de imprensa, suas informações exclusivas serão tornadas públicas e desmentidas antecipadamente no blog?

A resposta é inevitável: não tentará ouvir a Petrobras antes de publicar a denúncia. Fará exatamente o que é acusado de fazer. Desta vez, como guerra e guerra, por uma boa razão.


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