Cartolas, até quando?
Luiz Reni Marques
Quando desci do carro no pátio interno do estádio, às 21h55, da última quarta-feira, depois de levar quase uma hora para percorrer menos de quinhentos metros no entorno do Olímpico, o cenário era assustador. Os portões estavam fechados e centenas de pessoas com ingressos nas mãos protestavam pelo desrespeito e desorganização do clube.
Torcedores eram empurrados a golpes de cassetete empunhados por policiais militares, muitos montados, e empurrando temerariamente seus cavalos agitados contra a multidão. Enquanto tratava de me proteger do perigo, acompanhava homens e mulheres passando indignados.
Alguns, além da frustração de não ter o direito de assistir ao espetáculo pelo qual pagaram, apresentavam marcas visíveis de ferimentos. Um guri de uns dez anos de idade, chorava abraçado ao pai, com hematomas na testa. Acho que se chama Lucas, não tenho certeza.
Não importa. Sangrava e os dois se dirigiam ao posto policial nas dependências do Grêmio a fim de registrar queixa. Perguntei se precisavam de ajuda, o pai agradeceu, disse que agora estava tudo bem, haviam sido atropelados nas proximidades de um dos acessos às cadeiras, o mesmo que eu pretendia usar, como faço em todos os jogos.
Exibindo os dois cartões de ingresso, o senhor disse terem vindo de Florianópolis especialmente para o jogo. O garoto chorava, acho que um pouco de tristeza, um tanto de dor.
Decidi andar por toda a volta do estádio e não encontrei nenhum portão aberto. Apenas brigadianos, nenhum funcionário, nenhum representante do GFPA. Que ironia. Minutos antes, ouvindo o rádio do carro no trajeto para o campo, escutava dirigentes falando na bravura gremista na hora das grandes decisões, insinuando serem eles representantes de uma casta de caráter destemido.
Omissos, isto sim. Sem o mínimo de coragem para aparecer e dar alguma explicação.
Sem conseguir entrar, fiz o mesmo que a dupla de Santa Catarina. Fui ao posto da Polícia Civil, peguei uma senha, de número 18, e esperei 1h15min até ser atendido. Os policiais foram atenciosos, mas havia apenas um computador para registrar as ocorrências.
Aguardando, conversei com dezenas de torcedores, vi gente com ferimentos na barriga, na testa, na cabeça, nos braços, por toda a parte. Hematomas, sangue, cortes. Descobri que as condições oferecidas para enfrentar este tipo de situação é precária nas dependências do estádio, segundo relato de policiais e de torcedores.
Uma hora e meia depois saí do postinho, localizado embaixo das arquibancadas, com o Boletim de Ocorrência no bolso. O time perdia de dois a zero, mas isto não interessava mais. Em todo este tempo, em nenhum momento avistei algum funcionário ou dirigente gremista. Os funcionários, provavelmente, cumprindo ordens de cartolas que deveriam estar muito ocupados pensando em estratégias capazes de transformar o Grêmio em um novo Manchester United ou Real Madrid.
No dia seguinte, ouvi relatos de amigos que estiveram no estádio, convidados por uma empresa patrocinadora da Copa Libertadores, e assistiram a partida saboreando requintados canapés e sorvendo goles de uísque 12 anos. Bebida alcoólica, parece, só é proibido para os comuns mortais e não para os superiores imortais na verdadeira arena, na rua da Azenha, que honrou os violentos espetáculos realizados no Coliseu da Roma dos césares.
Aos populares, pipoca e café requentado. Bem feito, raciocinei, por pagar mensalidade de sócio, aluguel de cadeira, aliás numerada e nominal, inclusive com meu nome no assento e vaga no estacionamento dentro das dependências do clube.
O manto sagrado azul, preto e branco evocado toda hora pelos próceres tricolores foi vergonhosamente tingido de vermelho, de sangue, nas camisas vestidas por torcedores de todas as idades e sexos, inconformados pelo tratamento recebido.
Ao contrário, as jaquetas envergadas pelas ausentes lideranças do clube provavelmente chegaram aos armários de suas casas lustrosas como saíram. Algumas, talvez, manchadas pelo suor da vergonha do comportamento covarde e inabalável diante da dor dos humildes gremistas que viajam em ônibus e trens apertados e toda semana chegam a seus lares distantes no subúrbio, madrugada adentro, após cada rodada, alegres ou tristes, dependendo do resultado do jogo, mas com o sentimento do dever cumprido.
Este é um indignado desabafo de um jornalista, torcedor e consumidor. Não sei se tomarei alguma medida. O certo é que a decepção e o trauma vividos naquela noite, que deveria ser de divertimento, serão para sempre irreparáveis.
Os culpados, são os incompetentes, negligentes e irresponsáveis que atravessam décadas e décadas exercendo sua incapacidade e desqualificação no futebol e em outras searas da sociedade brasileira.
Que pena.
2 comentários:
É parente do Júlio Reny, canntor?
Ambos são de Porto Alegre, mais ou menos com a mesma idade.
Quem sabe são irmãos e nem sabem?
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