Tim Lopes: lição inútil

Quando Tim Lopes morreu, escrevi um artigo para o JB em que critiquei a decisão da TV Globo de escalar para reportagem tão perigosa, sobre adolescentes que freqüentam bailes funks organizados por traficantes, um jornalista de mais de 50 anos, grisalho e de barbas brancas.

Fiz o texto movido pela emoção de ter perdido um amigo que, por coincidência, tinha conversado comigo sobre o quanto a matéria para a qual fora designado era arriscada, justamente no dia em que, horas depois, veio a ser seqüestrado pelos criminosos da Vila Cruzeiro.

A revolta pessoal me cobrou um preço muito alto: perdi alguns amigos e, na interpretação de alguns chefes da Globo, traí uma empresa que tanto fizera pela minha carreira. Lamento até hoje pela perda dos amigos, assim como me aflige também ter sido considerado desleal com a empresa em que trabalhei durante 18 anos.

Nunca deixarei de reconhecer o investimento que as Organizações Globo – o jornal e a TV – fizeram pela minha carreira. Apreendi ali quase tudo o que sei como jornalista. Mas há algo ainda mais importante do que isto, algo que me tocou profundamente e que tornou eternamente grato: quando minha primeira mulher, também funcionária do Globo, descobriu que era portadora de um câncer incurável, que veio a matá-la em alguns meses, encontrei nos donos da empresa – principalmente em João Roberto Marinho – uma solidariedade infinita, traduzida em apoio prático e em consideração pessoal.

São duas boas razões para, neste blog e em qualquer veículo que venha a escrever, evitar tanto quanto possível a tentação de embarcar nas regulares ondas de críticas e ataques às Organizações Globo. Mesmo porque seria hipócrita, cínico e indigno apontar nos jornalistas da TV Globo, eventualmente do jornal, erros equivalentes aos que provavelmente eu mesmo cometi quando lá estava.

Mesmo assim, não retiro as críticas que fiz à decisão de mandar Tim Lopes para a Vila Cruzeiro. Se o fizesse, estaria sendo desonesto comigo mesmo. Da mesma forma como não posso deixar de criticar severamente a decisão que levou o repórter Amaury Ribeiro Junior, do Correio Braziliense, a uma das favelas mais perigosas do Distrito Federal, sem crachá, com carro sem identificação, para produzir uma reportagem sobre a violência naquela região.

Pouco importa que venhamos a descobrir que ele se submeteu a tal risco por vontade pessoal. Ele tem chefes e também é para isto que os chefes servem: proibir seus repórteres de correr risco de vida por causa de uma reportagem, por melhor que seja a pauta.

Nós não somos nem policiais nem bandidos, ainda que de vez em quando, mesmo que involuntariamente, façamos um destes papéis. A TV Globo, desde a morte de Tim Lopes, tomou providências importantes em relação à cobertura de ocupações de favelas no Rio: seus repórteres, protegidos por coletes à prova de balas, são orientados a assistir aos conflitos de uma distância segura, sem correr riscos desnecessários, o que, aliás, não tem prejudicado em nada a qualidade das reportagens que fazem.

Amaury Ribeiro Junior levou um tiro na barriga.

A Globo aprendeu a lição. O Correio Braziliense ainda não.