Wilsinho, o “Negão da Orfanatrófio”, era um atacante difícil de marcar. Impossível. Sestroso, antecipava-se sempre ao passe e, quando a bola chegava, o encontrava sozinho, distante do marcador. O zagueiro era eu. Nem jogava assim tão mal, e tentava compensar a carência de técnica e estatura com a mesma qualidade que fazia do Wilsinho o melhor atacante das peladas: a antecipação. Mas ele era melhor neste fundamento.
Ganhava todas e, nas peladas de domingo no campinho da Orfanatrófio, na frente do conjunto do BNH em que vivíamos, terminava sempre com dois ou três gols – nenhuma pintura, mas tentos com a marca da eficiência que falta à maioria dos centroavantes que vemos jogar por aí. Eu não tinha bronca do Wilsinho. Pelo contrário. Era educado, gente fina. Uma dama. E de vez em quando, no par-ou-ímpar, caía de ficar no time dele.
A adolescência acabou, a turma começou a se dispersar, cada um buscando seu rumo na vida. Wilsinho fez concurso para a Brigada Militar e sumiu, nunca mais soubemos dele. Escapei do CPOR por um triz e, no ano seguinte, estava na faculdade de jornalismo, a Fabico. Fiquei de esquerda, é claro, trotskista da quarta, coisa e tal. Tempos divertidos, apesar da ditadura que, é preciso dizer, não me legou mais do que alguns pescoções em passeatas estudantis.
E foi numa delas que tive que enfrentar um dilema.
Avenida João Pessoa ocupada: 400 estudantes de um lado, 100 PMs do outro. Os dois grupos se aproximavam lentamente. Na frente da PM, os assustadores soldados do Choque, com aquelas máscaras de acrílico fumê que escondem o rosto. Depois de cinco ou dez minutos, manifestantes e agentes da repressão ficaram frente à frente, duas linhas que atravessavam a avenida poucos metros uma da outra. Eu mexia nos bolsos e sentia o peso de duas dezenas de bolas de gudi, que seriam usadas para derrubar os cavalos dos brigadianos ou para atacá-los diretamente, se fosse preciso, quando um dos soldados do Choque levantou a viseira e gritou na minha direção:
- Marona, o que tu tá fazendo aqui?
Era o Wilsinho! O Negão da Orfanatrófio tinha virado agente da repressão. O cara era uma dama e estava ali, usando um elmo, uma farda escura, com granadas de gás lacrimogênio na cintura e um cassetete de quase dois metros na mão direita. Se a situação ficasse muito complicada, eu teria que atirar as bolinhas de gudi na cara dele. E ele, me espancaria?
Saí de fininho e abandonei a passeata. A revolução teria que esperar porque eu não podia agredir fisicamente o melhor centroavante do Alto Teresópolis.
Um comentário:
genial!
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