quinta-feira, 26 de junho de 2008

Duas manchetes por R$ 1,30

Comentário das 9 e 30 na Rádio Mundial AM1180:

Jornal não gosta de pobre.

Quer dizer, gostar até gosta, se for um jornal popular, daqueles baratinhos, que precisa do pobre para ir a banca e comprá-lo todo dia.

Mas em jornal chique, daquele mais caro, pobre só aparece como estatística. Assim:

O Brasil tem tantos por cento de analfabetos.

Há tantas mil crianças fora da escola.

A dengue matou mais de 100 na baixada fluminense...

Pobre só sai no jornal quando é personagem de notícia ruim.

Quando a noticia é boa, vira denúncia, escândalo, motivo de espanto e até de ação na Justiça.

Os dois maiores jornais brasileiros dão um exemplo disso hoje.

A manchete da Folha:

“Bolsa família acima da inflação em ano de eleições”.

A manchete do Globo:
“Bolsa família sobe acima da inflação em ano eleitoral”.

Lendo assim parece um escândalo de grandes proporções, um abuso do governo para dar privilégios aos 45 milhões de benefiados com o Bolsa família.

A oposição está indignada com absurdo do aumento e ameaça recorrer ao Tribunal Superior Eleitoral para acabar com esta pouca vergonha.

Quem não ficaria chocado com uma coisas dessas? Todo mundo sofrendo com a inflação e vem o governo e aumenta o bolsa família acima da inflação.

- Inaceitável – podem dizer os leitores.

Mas eu faço um convite aos ouvintes: vamos ler com calma a notícia e levar em conta todas as informações, que não estão nas manchetes nem nas aberturas dos textos, mas aparecem lá no meio ou no pé?

Vamos lá:

Entre maio do ano passado e maio deste ano, a inflação medida pelo INPC, que é o Índice Nacional de Preços ao Consumidor, ficou em 6,9 por cento.

O governo tinha decidido aumentar o valor do Bolsa Família em 7 por cento, o que é praticamente o mesmo índice do aumento dos preços.

Mas na reunião que discutiu o assunto alguém falou que os preços dos alimentos subiram um pouco mais que os outros e que, portanto, para a comida, a inflação foi de 8 por cento e não de 6,9 por cento.

Como os 45 milhões que recebem o bolsa família gastam a maior parte deste dinheiro em comida, decidiu-se então que o reajuste do valor deveria ser pela inflação dos alimentos e não por aquela que inclui no cálculo todos os produtos – inclusive eletrodomésticos, automóveis, aparelhos de tevê etc.

O resultado desta decisão é seguinte: segundo O Globo, o valor médio do bolsa família, que era de 78 reais e 70 centavos, vai passar para 80 reais.

Sabe de quanto é o aumento médio: 1 real e 30 centavos.

Na Folha, os números são um pouco diferentes, mas sempre neste patamar. Um real e trinta centavos foram motivo para duas manchetes de denúncias e para a decisão dos oposicionistas de entrar na Justiça.

Com 1 real e 30 centavos dá para comprar hoje nos surpermercados um pacote de 500 gramas de macarrão Cadore... desculpe, não dá não. Olhei agora aqui no folheto e o macarrão custa 1 e 49, na promoção.

Será que um pacote de macarrão a mais para 45 milhões de pessoas que ganham Bolsa Família valia estas manchetes?

E uma última pergunta: e se o governo desse ao bolsa família reajuste menor que a nflação? Não seria manchete, também de denúncia, para mostrar que o governo não se preocupa com os mais pobres?

Daqui a pouco a gente conversa sobre as notícias na internet.

Um comentário:

João Pequeno disse...

O problema é que reajustes automáticos foram parte da base da hiperinflação do companheiro José Sarney - que Lula prefere a FHC.

Além disso, em ano de eleição, é eleitoreiro. A Bolsa Família, por si só, é criminosa.

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