segunda-feira, 7 de julho de 2008

A manchete que O Globo não quis

Meu comentário das 9 e 30 na Rádio Mundial AM1180:

O Globo de domingo tinha nas mãos uma reportagem que merecia ser manchete da edição. Faltou ousadia para optar por um assunto local, preferiu uma manchete nacional sobre desmatamento, daquelas que ninguém dá muita bola, e perdeu uma boa oportunidade de vender mais jornal nas bancas.

Me refiro à esplêndida a reportagem de Sérgio Ramalho sobre a equipe de motociclistas da Polícia Militar do Rio que aborda motoristas com IPVA atrasado para achacá-los. A cidade inteira já sabia que a extorsão de dinheiro de motoristas em situação irregular parece ser a principal função deste batalhão especial. Faltava a demonstração do crime num jornal. Está feita, e muito bem feita.

Os PMs que circulam de moto pela cidade descobrem, por meio de palmtops, a situação dos carros que passam em alguns pontos estratégicos, como o Aterro do Flamengo, onde a abordagem pode ser feita discretamente. Se o carro tem IPVA em atraso e multas vencidas, é parado e, depois de uma negociação que pode durar até 50 minutos, como mostra um dos casos registrados pelo Globo, o motorista pode seguir caminho desde que molhe muito bem a mão do policial.

Não é ação isolada ou individual. Estamos muito além, aqui, do caso da "cervejinha". O grupo de motociclistas da PM age como uma quadrilha bem organizada. Diante de conversas mais complicadas ou de contrapropostas dos motoristas, um chefe é consultado por rádio, para orientar sobre a decisão final. O PM que parou um jovem que devia IPVA mas não tinha dinheiro para o suborno, foi orientado por rádio a levá-lo ao aeroporto Santos Dumont e esperar que o motorista retirasse R$ 50 do caixa eletrônico. Só aí liberou carro e motorista.

O assunto, que ficou na parte inferior da primeira página de domingo, virou manchete do Globo desta segunda-feira, por causa da reação das autoridades:

“Comandante ordena prisão de policiais por extorsão”, diz a manchete do Globo.

Um dos soldados achacadores já foi preso. Outros três, identificados pelas fotos do jornal, devem ser presos esta semana.

O comando da PM revelou que, além dos palmtops cedidos à polícia pelo Detran, os patrulheiros usam telefones Nextel por meio dos quais acessam a internet e pegam os dados dos carros.

A tecnologia, a informática e a internet a serviço da bandalheira. O golpe é fácil porque, dos 2 milhões e 400 mil veículos que circulam no Rio, 44 por cento – ou 820 mil carros – estão com o IPVA atrasado.

O comando da PM diz que o golpe não é aplicado apenas no Aterro do Flamengo. Acontece em outros pontos da cidade. Um deles, já revelado, é a região próxima entre o Shopping Riosul, o Mourisco e o Pinel.

A ação do comando da PM é digna de elogios, claro. Mas fica a pergunta: por que não agiu antes se diz que estava investigando o assunto havia quatro meses? Por que só faz alguma coisa quando a denúncia sai no jornal?

Também não podemos esquecer que se alguém recebe suborno é porque alguém paga suborno. Receber suborno é corrupção, mas subornar também é.

Num país sério seria mais simples: os carros seriam apreendidos até que os proprietários pagassem seus débitos. E poucos ficariam devendo, por medo da punição.

Nenhum comentário:

Postar um comentário