Surpreende que O Globo tenha demorado tanto para exibir em suas páginas matéria um pouco menos superficial sobre o sistema de progressão continuada ou aprovação automática adotado desde o ano passado no ensino fundamental da rede pública do Rio de Janeiro.
Foi preciso que a editoria de Opinião começasse a publicar artigos sobre o assunto - todos a favor do sistema - para que a editoria de Cidade acordasse. Talvez seja tarde demais. Eduardo Paes passou a campanha inteira anunciando e já confirmou, depois de eleito, que a extinção da aprovação automática será o seu primeiro ato como prefeito.
Vai fazer bobagem, como este blog já afirmou em comentário recente.
Com uma canetada, o novo prefeito destruirá um método correto, ainda que eventualmente mal aplicado. Vai decretar a expulsão de milhares de crianças das escolas para as ruas, leia-se para vender balas nos sinais ou fazer coisa ainda pior em bocas de fumo e quadrilhas de traficantes.
É preciso fazer justiça: não houve uma única divergência entre Paes e Fernando Gabeira em relação a este assunto. O peemedebista e o verde prometeram exatamente o mesmo - acabar com a aprovação automática.
O programa é vítima do apelido que ganhou e que virou palavrão na boca de sindicalistas do magistério público. Aprovação automática é expressão que transmite a idéia de fraude no julgamento do desempenho dos alunos. Pior que isto, passa a impressão de que não haverá mais julgamento algum. Virou festa. Todo mundo é aprovado e pronto.
Não é verdade, mas nenhum jornal procurou mostrar isto durante a campanha, talvez porque os próprios jornalistas já tivessem opinião formada a respeito. Formada e deformada, como a dos candidatos.
Demonizada pelos representantes sindicais dos professores, a progressão continuada (vejam como o nome certo e a palavra progressão favorecem o conceito) é uma boa maneira de combater a evasão escolar, uma das maiores mazelas da escola pública, sem prejuízo da qualidade do ensino. Pelo contrário. A progressão continuada impôe à escola redobrado esforço para fazer com que todos os alunos aprendam.
Não é verdade que os alunos sejam aprovados automaticamente, pela simples razão de que não há mais aprovação ano a ano, como na escola tradicional, mas em períodos ou ciclos de três em três anos, em tese tempo suficiente para que um aluno receba atenção especial quando tem dificuldade de acompanhar o aprendizado dos colegas.
Mesmo assim, ao contrário do que a pecha sugere, os alunos são submetidos a testes e exames e, em muitos casos, efetivamente reprovados. Segundo a secretaria municipal de Educação, 30.059 alunos foram reprovados no ano passado. A secretária de Educação, Sônia Mognabi, que podia ter sido entrevistada durante a campanha, mas só o foi agora, explica:
"Ao darmos acesso a todos na escola pública, devemos ter o compromisso ético e político com a aprendizagem de nossos alunos."
O que ela quer dizer, com esta linguagem tão ideológica quanto a dos detratores da progressão continuada, é que a escola pública não pode mais lavar as mãos e eximir-se completamente da responsabilidade diante do fato de que milhares de crianças, por dificuldade de aprendizado, são postas nas ruas, para flertar com o crime, a prostituição e o trabalho infantil.
Reprovar uma criança apenas porque no exame final não conseguiu a nota média exigida pela escola, sem ter conhecimento prévio das dificuldades desta criança, e sem ter tomado providências para fazê-la aprender, é criminosa omissão do poder público.
A progressão continuada ataca este defeito do sistema. Pode não fazê-lo bem porque, afinal, o método depende da capacidade de professores mal pagos e, eles próprios, despreparados. Mas ainda é melhor a progressão continuada com defeitos do que a reprovação automática feita com eficiência e frieza. Esta culpa apenas as crianças por erros que são de todos - pais, professores, escolas.
Um comentário:
xolinha
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