quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Quem quiser que conte outra

Existe uma verdade histórica, é claro. Fatos são fatos, independem de interpretações. Mas quem pesquisa história sabe que é muito mais fácil ter certezas absolutas sobre a invenção do fogo, há 5.500 anos, do que a respeito da criação do muro de Berlim, há menos de cinco décadas. A proximidade torna os fatos mais elásticos, manejáveis, passíveis de muitas leituras.

O blog não vai contar, aqui, com rigor histórico e cronológico, como foi criado o estado de Israel. Qualquer consulta ao Google resolve isto. Alguns bons livros resolvem ainda melhor. Sugere, por exemplo, a leitura de “A muralha de ferro”, de Avi Shlaim. Em mais de um quilo de papel, o historiador árabe que viveu parte de sua vida em Israel, desfia informações que ajudam a navegar na superfície de um mar revolto de teses, versões, palpites e desvios ideológicos.

(“Muralha de ferro”, a propósito, é o nome dado à teoria, lançada pela direita judaica, no fim dos anos 40, de que o país a ser criado só poderia negociar com os árabes que viviam na Palestina quando estivessem em visível e inegável posição de força. Antes disso, seria suicídio.)

Parênteses fechado, repito que não contarei a história da fundação de Israel. Chamarei atenção apenas para informações que contrariem certos consensos, que desmintam o senso comum sobre aquela época.

Para começar: Israel não é fruto do nazismo, como muita gente pensa. O território para a instalação de uma pátria para os judeus não foi dado de mão beijada ao povo perseguido pelo nazi-fascimo, num gesto de remissão de culpa das potências ocidentais. Durante muitos anos, entre a ascensão de Hitler e mesmo depois da Segunda Guerra, estas potências dificultaram o quanto puderam a migração de judeus para a Palestina. Mesmo quando a região, por decisão da Comunidade das Nações (hoje ONU), já havia sido destinada aos judeus.

O Reino Unido, detentor da Palestina, fez o possível para descumprir a resolução internacional. Não impôs apenas proibições legais à entrada de judeus. Atacou e apreendeu (há quem diga que afundou alguns) navios carregados de refugiados. Em 1948, às vésperas da criação oficial de Israel, havia 30 mil refugiados judeus presos pela Inglaterra em Chipre. O governo britânico temia o vexame de perder mais uma guerra de libertação. Sabia que mais cedo ou mais tarde perderia o protetorado palestino, mas queria o controle sobre o processo. Os árabes que viviam na região aceitavam o poder britânico; os judeus acabariam por se rebelar, como o fizeram, de fato.

Vejam só, defensores do senso comum: durante quase uma década, do início da Segunda Guerra até 1948, os judeus foram barrados na Palestina e os árabes migraram livremente para a região – e migraram em parte porque os 400 mil judeus que lá já viviam promoveram a prosperidade do território. Não porque fossem melhores, mas porque tinham dinheiro para investir no progresso econômico da Palestina, tornando o país atraente para dezenas de milhares de árabes miseráveis dos países vizinhos.

A tese de que Israel nasceu do holocausto também cai por terra quando se leva em consideração que o nazismo matou quase seis milhões de judeus – pelo menos a metade jovens – que tornariam muito mais fácil a construção de uma nação.

Outra obviedade histórica que precisa ser contestada é a afirmação de que os judeus tomaram as terras dos árabes pela força das armas, assim que chegaram à Palestina. Não foi sempre assim, embora muitos confrontos de fato tenham ocorrido. Mas é muito mais do que significativo o registro de transações comerciais entre judeus e árabes. Os judeus, em muitos casos, provavelmente na maioria das situações, compraram as terras dos árabes. Numa primeira fase, só foram autorizados pelos decretos britânicos a comprar terras áridas e não exploradas; na fase seguinte, passaram a comprar terras já irrigadas. Para os palestinos, era um bom negócio. Eles não dispunham de equipamento e técnica para a exploração da terra. Uma curiosidade: o pai do primeiro chefe da OLP (Organização para a Libertação da Palestina) vendeu suas terras para uma família judia.

E aqui é possível corrigir uma terceira evidência histórica: a de que foram os judeus que começaram a guerra que se estende até hoje.

Nem tanto.

Havia, sim, hostilidade entre judeus e árabes. Muitos confrontos foram registrados, mas eram choques e escaramuças que não podiam, ainda, ser chamadas de guerra civil. Parte dos árabes reagia com violência à invasão dos judeus; parte dos judeus reagia com violência à resistência árabe; mas ao mesmo tempo muitos árabes e judeus se entendiam, comprando e vendendo terras.

A guerra começou poucas horas depois da aprovação pela ONU da criação do Estado de Israel, em 14 de maio de 1948. Não foi declarada pelos palestinos, mas pelos países vizinhos. Ao final de uma reunião, realizada quase simultaneamente à assembléia da ONU presidida pelo brasileiro Osvaldo Aranha, o presidente da Liga Árabe declarou oficialmente guerra ao Estado que acabara de ser criado. E afirmou:

“Esta será uma guerra de extermínio e de grandes massacres, da qual se falará como dos massacres mongóis e das cruzadas”.

Com esta bravata típica, declaravam-se em guerra contra Israel o Egito, a Síria, o Líbano, o Iraque e a Transjordânia.

De fato, a primeira fase da guerra foi um massacre dos países árabes. Israel sofreu pesadas baixas e esteve a ponto de ser varrida do mapa. Na segunda fase, depois de adquirir armas mais eficientes da Tchecoslováquia, Israel equilibrou o confronto e acabou por vencer a guerra, que teve como resultado 600 mil refugiados árabes.

De lá para cá, muita coisa mudou, mas Israel continua sob ameaça de ser varrida do mapa do Oriente Médio. Não apenas e nem tanto pelos árabes, mas, agora, por extremistas islâmicos de todos os tipos.

E quem quiser que conte outra.

13 comentários:

Zé Carlos disse...

Para começar: Israel não é fruto do nazismo.

Correto. Mas a sustentação do Estado de Israel se valeu do sentimento de culpa de varias nações do mundo.

Vejamos:
“A fé no retorno a Sion não desapareceu jamais. Mas o estudo da história mostra que, praticamente, os judeus não atribuíam mais importância à idéia do Retorno do que a maioria dos cristãos àquela do segundo advento de Cristo. Enquanto símbolo espiritual, sinal de integração e identificação com o grupo, tratava-se de um componente capital do sistema de valores. Mas enquanto elemento determinante da praxis histórica, de uma modificação da
realidade pela história, tratava-se principalmente de uma visão consoladora”.AVINERI, Shlomo. Histoire de la pensée sioniste. Paris: J.C. Lattès, 1982, p. 14.

"O sionismo como um movimento político moderno, que defendia a formação de um Estado judeu, preferencialmente na Palestina, foi precedido, na Europa do Leste, por um renascimento da língua hebraica enquanto meio secular para a expressão literária (evolução esta vista pelos rabinos como sacrilégio, uma profanação da língua sagrada). A Lituânia constituiu o centro desse desenvolvimento. Influenciados pelo contato com outras minorias
nacionais, como as minorias alemã e polonesa daquele país, e pela corrente de pensamento da Haskalah (Luzes) judaica, os judeus da Lituânia começaram a impulsionar a sua própria cultura, a sua própria literatura, poesia, arte, enfim, expressão e educação em seu idioma.
Constituía-se entre os judeus um movimento laico de valorização de sua história e cultura, assim como faziam os membros das outras minorias nacionais. Entre as décadas de 1860 e 1880, surgiram os escritores e pensadores que ajudariam a configurar a ideologia sionista"Arlene Clemesha

Ou seja não existe o "direito sagrado" de ocupação daquele local pelo povo judeu. A escolha da Palestina se deve a determnação do jornalista judeu austríaco Theodor Herzl.

Zé Carlos disse...

"O território para a instalação de uma pátria para os judeus não foi dado de mão beijada ao povo perseguido pelo nazi-fascimo"

Não foi mesmo! A julgar pelas palavras do criador e mentor maior do Movimento Sionista:

"Nas palavras de Herzl, confiadas a seu diário a 12 de junho de 1895, tratava-se de “favorecer a fuga da população miserável para além da fronteira, negando-lhe emprego...
Tanto o processo de expropriação como a remoção dos pobres deve ser executada discreta e cuidadosamente”. Meio século depois, em 18 de julho de 1948, já seria possível a Ben Gurion
escrever em seu diário que “devemos fazer tudo para assegurar que eles [os refugiados
palestinos] jamais retornem”.BAR ZOHAR, Michael. Ben Gurion: the armed prophet. [S.l.]: Prentice-Hall, 1967, p. 157.

"Semelhante visão foi expressa
notadamente por Golda Meir, quando afirmou que “não havia palestinos na Palestina que se
considerassem a si mesmo como povo palestino, e que nós tivéssemos vindo expulsar... não
existiam tais palestinos”.Sunday Times, Londres, 15 jul. 1969.

Comprar terras de quem explora as populações residentes não justo.

Seria o mesmo que comprar terras griladas no Pará sem consultar os legitimos donos que lá trabalham a décadas. Mas mesmo assim não foi o caso foi expulsão e exploração de mão-de-obra. Metodos em que os judeus sempre foram acusados por onde passaram.

Zé Carlos disse...

"Uma curiosidade: o pai do primeiro chefe da OLP (Organização para a Libertação da Palestina) vendeu suas terras para uma família judia."

Marona responda com sinceridade: Se a Monsanto comprar dos miseraveis Piauienses uma grande extensão de terra no Piaui e declarar criado um Territorio com Leis proprias qual seria a reação da Comunidade Internacional?

Para voce tudo bem!

Como diria aquela humorista:

-"Tão pagaaaano"

Anônimo disse...

Marona, Israel vai ser varrido do mapa, mais cedo ou mais tarde. Pode levar décadas ou séculos. E vai porque seus líderes fizeram por onde. Só havia uma chance: negociar, negociar, negociar. Por mais direitos que o povo israelense tenha sobre o território que ocupou, o fato é que Israel é, embora forte e poderoso, um pequeno país cercado. O Hamas jogou a isca e Israel entrou no jogo suicida.

Guido Cavalcante disse...

http://december18th.org/

Acima está o endereço do site onde um punhado de jovens israelenses pede pela solidariedade mundial, por serem rigorosa e vigorosamente contrários à barbárie cometida pelo exército israelense na batalha de rua em Gaza, no meio da população. Eles recusaram-se ao alistamento, o que lhes rendeu a prisão.

Anônimo disse...

José Carlos: tô lendo todas as suas opiniões com muita atenção. Não pretendo contestá-las porque a idéia é essa mesmo: eu falo, vc fala e eu evito tréplicas, pra que não vire debate eleitoral. Mas preciso fazer duas observações sobre o último comentário:
1. Não há nada que eu escreva aqui que não seja sincero.
2. O exemplo da Monsanto, uma empresa privada, comprando grande extensão de terra dos miseráveis piauienses, não faz muito sentido: se um piauiense miserável tiver uma vasta extensão de terra não será miserável, especialmente se puder vendê-la. No mais, a Monsanto não é comparável a um contingente de 400 mil judeus.

Anônimo disse...

Boa essa, Guido.
Agora vamos esperar pelo endereço do site iraniano em que jovens se opõem ao uso militar da energia nuclear ou à submissão de todos, jovens ou não, às ordens do aiatolá do momento. Talvez, então, a URL de um site em que jovens mulheres manifestem a vontade de comer junto com os homens dentro de casa, andar pelas ruas sem burka, entrar na mesquita junto com todo mundo, cursar uma universidade, essas coisas.

Anônimo disse...

Antes que eu me esqueça: sou mais sionista do que a maioria dos meus amigos judeus. Achei do caralho a fundação do Estado de Israel. Ah, o texto final abrasileirado de um livro chamado Mitos e Fatos (uma série sem fim de argumentos a favor de Israel) é de minha autoria para uma conceituada editora judaica, a Sêfer. Mas, putaqpariu, essa direita israelense é igualzinha à Gestapo! Qual a diferença entre o que acontece hoje em Gaza e o que houve em 1942 na aldeia de Lídice? Acho que vou escrever sobre isso também.

Anônimo disse...

Zé Sérgio:

já tem profeta demais nesta guerra. Aposto contigo que Niterói acaba antes, alguns anos após a construção do metrô. A não ser que a força aérea niteroiense destrua os túneis, como fez Israel. Quanto à comparação da direita de Israel com a Gestapo, não sei, não. Acho que o pessoal da editora Sefer vai fazer um tsk tsk tsk e dizer: já vimos este filme e acaba com alguém dizendo que a Gestapo não matou tanto assim, é tudo lenda judaica.

Anônimo disse...

Niterói só acabou para você, filho ingrato. Ela continua viva em nossos corações

Zé Carlos disse...

Marona

1.Não foi e jamais será minha intençao debater com voce. Não seria produtivo e me falta competencia com as palavras. Sou um simples vendedor.
2. Perdoe se por falta de traquejo eu passei a idéia de que voce não seja sincero.
3.No Piaui temos milhares de pequenos produtores rurais. Lá quase inexistem grandes propriedades.

E por ultimo devo confessar que há duas semanas eu não entendia "nadica" de nada deste assunto. Após ler um blog que existe por ai (R.A., francamente a favor de Israel) decidi que lógico que eu seria a favor dos palestinos. Para minha surpresa li no seu blog sua defesa de dos Judeus e resolvi conhecer melhor o assunto.

Corri no Papai Gugul e fui à luta.

Me parece que estou mais inclinado a ser pró-palestinos. Mas de leve.

Um abraço!

Anônimo disse...

José Carlos:

Não venha com esta conversa de "sou apenas um vendedor". Falsa modéstia não vale.
Além do mais, vendedores somos todos que escrevem ou comentam por aqui. No meu caso, vendo teses, palpites e idéias em promoção relâmpago. É tudo queima de estoque.

Leo Lagden disse...

Acredito que as pessoas tendem a encarar o conflito como se fosse uma partida de futebol. Escolhem um time e passam a torcer.
Ambos os lados apresentam argumentos, alguns convincentes e outros nem tanto.
O que importa é a negociação, que deve ser feita no campo da diplomacia. Mas isso parece uma idéia utópica.

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