O avião é tão bom, mas tão bom, que não precisa de piloto.
A frase, exagerada, sempre foi usada para enaltecer as qualidades do Airbus A-330 e seus derivados. Era exagero, mas não estava longe da verdade. O A-330 faz tudo sozinho. Se piloto e co-piloto tiverem um piriri e forem obrigados a passar o resto da viagem no banheiro, o avião chegará ao seu destino.
Este medroso passageiro que vos fala não tem autoridade para discorrer sobre aviação, exceto pelo fato de que, como vítima potencial, sente-se no direito de manifestar o espanto e o assombro dos ignorantes.
O leitor não vai encontrar aqui uma comparação técnica entre o A-330 e o Boeing 767. Conhecerá um eventual passageiro que sempre preferiu voar no Boeing – caso pudesse escolher – por razões quase subjetivas, que beiram a idiosincrasia.
O blogueiro, vejam só os internautas, não gosta de coisas que funcionam sozinhas, sem interferência humana significativa. Gosta menos ainda de coisas que funcionam sozinhas até que começam a falhar e, só então, entregam o abacaxi para seus usuários humanos.
- Toma que o filho teu!
E o filho é a própria máquina, construída por homens para que não fossem governadas por homens. Alguma lei da robótica de Asimov deve estar sendo desrespeitada aqui.
Ah, sim! Além do Guido Cavalcante,que tem frequentado este blog como leitor e colaborador, poucos internautas devem ser do tempo das leis da robótica de Isaac Asimov. Poucos devem ser, também, do tempo em que um cérebro eletrônico chamado HAL se amotinou, tomou conta de uma nave espacial e disse aos astronautas que não mais os obedeceria, a fim de não causar prejuízo à missão para a qual fora programado.
É possível que a maioria conheça a piada que circulou sobre o Airbus A-330 quando os primeiros modelos entraram em circulação: o avião é tão computadorizado que só precisa de um piloto e de um cão bem treinado – o piloto para verificar se está tudo funcionando e o cachorro para morder o piloto, caso ele tente mexer em alguma coisa no painel.
E se der merda?
Eis a perguntinha que poderia mover a humanidade para destino melhor e que raramente é feita na hora certa.
Desde que o A-330 da Air France caiu no meio do Atlântico, outros quatro aviões da mesma espécie passaram por falhas técnicas e foram forçados a pousos de emergência – um deles com a cabine dos pilotos em chamas. Um quinto A-330, que levaria a seleção argentina de Quito para Buenos Aires, teve que ser recolhido à oficina por defeito numa das turbinas.
Tiveram sorte os passageiros desses cinco A-330.
Os que partiram do Rio para Paris, ao que tudo indica, foram vítimas de um caninho.
O avião é o estado de arte em engenharia, nada chegou tão perto da perfeição, anda sozinho, é rigorosamente controlado por computadores a prova de falhas, mas...
Uma tempestade de gelo dentro de um paredão de nuvens congelou ou amassou três caninhos chamados pitots, instalados na parte externa da cabine para captar a força do vento e estabelecer a exata velocidade do avião. Se os pitots quebram ou congelam, o aparelho não medirá a velocidade do avião e, a partir deste momento, o sistema computadorizado passará a emitir sinais trocados, errados, invertidos. Instala-se o caos. O avião passa a responder de maneira inadequada às necessidades externas. Em poucos minutos, o descontrole é total. E é neste momento que HAL abandona o seu posto e apela para a inteligência humana. Tarde demais. A cada falha do sistema, mais poder é devolvido ao piloto de carne e osso, até que ele seja obrigado a assumir tudo, no momento exato em que o avião que nunca precisou dele já não dispõe de um chipe capaz de mantê-lo voando.
E a maravilha da tecnologia foi derrubada por um caninho amassado.
3 comentários:
Comentário fantástico sobre o Airbus A330, Marona.
Minha mãe chega da Europa na próxima quarta e faz exatamente a rota(de volta) daquele Air France.
Não sei em que tipo de aeronave ela virá e prefiro não saber. O importante é que ela chegue, e chegue bem.
Tomei a liberdade de republicar o seu artigo com os devidos créditos em meu site e gostaria de fazer isso mais vezes, é claro com a sua permissão.
http://www.oreporter.com/detalhes.php?id=5050
Grande abraço
Alex de Souza
Ex JB, Ex Haroldo de Andrade, Ex Rádio Mundial (lembra?).
O tal "caninho amassado" que vc comenta maravilhosamente em seu texto é uma invenção do séc. XVIII, do físico e engenheiro Henri Pitot (1695-1771. Não inventaram nada melhor desde então :-)
Marona, desde que vc mencionou HAL o computador de Space Odissey, aqui está o link onde pode obter o screen saver - o site é o maior barato pra quem, como eu, adora o filme de Kubric
Está aqui - é só copiar e passar pro seu browser:
http://www.mental-pictures.com/hal9000/
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