terça-feira, 8 de julho de 2008

Por que, mãe?

Meu comentário das 9 e 30 na Rádio Mundial AM1180:

Adriana Calcanhoto fez uma música muito bonita, cantada por Paula Toller, que mostra uma criança, Gabriel, fazendo o que toda criança costuma fazer com os pais: perguntas e mais perguntas, uma atrás da outra. Criança quer saber o porquê de tudo.

Um estrofe da música diz assim:

Por que o fogo queima
Por que a lua é branca
Por que a terra roda
Por que deitar agora.

E os porquês se acumulam, não páram:

O Gabriel da música pergunta à mãe:

Por que a gente espirra
Por que as unhas crescem
Por que o sangue corre
Por que que a gente morre.

Como todos os filhos espertos, o menino João Roberto, de três anos, tinha a mesma mania.
Domingo, às sete e meia da noite, numa rua da Tijuca, quando a mãe dele, Alessandra, viu dois PMs metralhando o carro em que estavam ela e seus dois filhos pequenos, ela mandou João Roberto se abaixar. E ele, é claro, perguntou:

Por que, mãe?

Foram as últimas palavras de João Roberto. Ele levou três tiros, um deles na cabeça, e morreu poucas horas depois.

A tragédia responde à pergunta do Gabriel de oito anos da música cantada por Paula Toller:
Por que que a gente morre?

Aqui nesta cidade, a gente pode morrer por quase nada e por qualquer coisa.

Pode ser assassinado por bandidos.

E pode ser assassinado por quem é pago para nos defender dos bandidos.

João Roberto foi fuzilado por dois PMs que confundiram o carro de Alessandra, um Palio cinza, com o carro que tinha sido roubado por bandidos de uma favela próxima, um Stilo preto.

O assassinato de João Roberto está nas manchetes de todos os jornais do Rio e no alto das primeiras páginas dos principais jornais brasileiros. Em todos aparecem as fotos do pai do menino, o taxista Paulo Roberto, num estado de desespero de cortar o coração, e da criança assassinada, ao lado do irmão de nove meses, que também estava no carro.

Os dois PMs, Willian de Paula e Elias Gonçalves Costa Neto, ainda tentaram mentir. Disseram que o carro dirigido por Alessandra ficou no meio do fogo cruzado deles com os bandidos.

Mentira deslavada, na qual nem o secretário de segurança acreditou. O carro da polícia perseguia o carro dos bandidos, quando Alessandra encostou junto ao meio fio para deixá-los passar.

Os imbecis desceram da viatura, cercaram o carro de Alessandra e deram 15 tiros contra o veículos. Quinze tiros! Três acertaram João Roberto.

O secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, disse que a ação dos policiais foi desastrosa, demonstrando falta de critério e falta de treinamento. Pediu desculpas aos cariocas e à família de João Roberto, como secretário e como pai.
Teve coragem de vir a público num momento em que a maioria das autoridades prefere se esconder. Deve ser reconhecido por isto.

Mas continuaremos esperando pelo dia em que ele será reconhecido por ter transformado a Polícia Militar do Rio numa organização decente, bem treinada e incapaz de matar inocentes.

Continuaremos esperando pelo dia em que o secretário poderá dizer, sem mentir, que a PM do Rio não é a pior do Brasil.

Até lá, continuaremos com as piores respostas possíveis à pergunta do Gabriel da música. E sem tempo para responder à pergunta de João Roberto:

Por que?

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