segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Será que ajudei a salvar um desembargador?

Pesquisas aleatórias no Google reservam grandes surpresas sobre nós mesmos. Conflitos em que nos vimos envolvidos e dos quais não tinhamos perfeita noção. Críticas sofridas que, à época pareciam absurdas, mas o tempo revela até justas e sensatas. Usos surpreendentes de nossos textos e declarações, para sustentar as mais insólitas teses, com as quais muitas vezes não concordamos.

Ontem, encontrei a carta por meio da qual um desembargador se defende de reportagem feita pela revista Época, em que ele cita longo trecho de palestra proferida por mim durante um seminário sobre as relações da imprensa com o Judiciário. Pelo jeito, minha opinião serviu para que ele se defendesse perante a revista.

De qualquer forma, não mudei de opinião. Eis a abertura da palestra, transcrita pelo tal desembargador:

“Alguém disse que jornalista é aquele profissional que separa o joio do trigo e publica o joio. É a mais pura verdade, tenho certeza disso. Para nós, notícia boa não interessa, nós somos criados assim, agimos com uma vontade quase por instinto. Percorremos seminários, debates, fóruns e discussões, despejando regras sobre direitos individuais, sobre a presunção de inocência, mas quando “pegamos no pé” de alguém, somos atingidos por uma espécie de amnésia ética. A nossa arrogância, a nossa vaidade e a nossa pretensão de agir como representantes de um povo que não nos elegeu, são alguns dos maiores defeitos da profissão de jornalista. Desses três, decorrem todos os outros, e poderíamos enumerar muitos outros se isto aqui fosse um ato público de autoflagelação.

"Se fosse obrigado a escolher uma única qualidade que precisasse caracterizar o jornalista, escolheria a humildade. Não a humildade que signifique submissão, inibição ou deslumbramento perante o poder. Falo em humildade como consciência das nossas limitações, como respeito às fontes, como suposição da inocência de qualquer acusado e como clara noção do mal que podemos causar. Quando falo em humildade, quero falar especialmente da convicção que precisamos ter de que não fomos escolhidos por ninguém para representar o povo, não fomos ungidos para a missão de educar os ignorantes, de conscientizar os alienados, de redimir os injustiçados ou de conduzir povos à libertação.

"Em vinte e sete anos de jornalismo que tenho, nunca conheci nenhum Moisés, nenhum Gandhi, nenhum Lenin, nenhum Trotsky, nenhum Martin Luther King, mas vi meia dúzia de Slobodan Milosevic, um genocida sérvio — alguns foram meus chefes (brincadeira, brincadeira mesmo).”

[Mário Marona, ex-diretor de Jornalismo da TV Globo de Brasília, em palestra promovida no Seminário realizado no TJDF, sobre o Tema: A Imprensa e o Judiciário]

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