segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Fragmento

George Orwell lutou na guerra civil espanhola. Quase por acaso, foi mandado para o front com os milicianos do POUM (Partido Operário de Unificação Marxista), facção simpatizante do trotskismo nascida na Catalunha. No livro "Lutando na Espanha", publicado em 1938, Orwell relata sua experiência em combate e sua visão da luta interna que separava comunistas, anarquistas e trotskistas e que acabou por ajudar o general Franco a vencer a guerra civil. O escritor inglês mostra também como a imprensa internacional manipulou a verdade durante o conflito. Eis alguns trechos:

"Então era isso o que estavam dizendo de nós: que éramos trotskistas, fascistas, traidores, assassinos, covardes, espiões e assim por diante. Admito que não era nada agradável, principalmente quando se pensava em algumas das pessoas responsáveis por isso. Não é nada bonito ver um garoto espanhol de 15 anos sendo levado numa maca, com o rosto pálido e aturdido, olhando por entre os cobertores, e pensar nas pessoas finas de Londres e Paris que estavam escrevendo panfletos para provar que aquele garoto era um fascista disfarçado. Uma das características mais terríveis da guerra é que toda a propaganda de guerra, toda a gritaria e as mentiras e o ódio vêm invariavelmente de pessoas que não estão lutando. Os milicianos do PSUC [comunista] que conheci na linha de frente, os comunistas da Brigada Internacional que eu encontrava de vez em quando, nunca me chamaram de trotskista ou de traidor; deixavam esse tipo de coisa para os jornalistas na retaguarda."

"Lembro-me de ter dito uma vez a Arthur Koestler [jornalista judeu, refugiado, cobriu a guerra civil]: 'A História parou em 1936', ao que ele assentiu, numa compreensão imediata. Estávamos os dois pensando no totalitarismo em geral, mas, mais especificamente, na guerra civil espanhola. Cedo na vida, notei que nenhum acontecimento é narrado corretamente num jornal, mas na Espanha, pela primeira vez, vi reportagens jornalísticas que não guardavam nenhuma relação com os fatos, nem mesmo a relação implícita numa mentira corriqueira. Vi grandes batalhas narradas, onde não houve nenhuma luta; e um silêncio completo, onde centenas de homens morreram. Vi contingentes que tinham lutado bravamente serem denunciados como covardes e traidores, e outros, que nunca tinham visto um tiro ser disparado, serem lembrados como heróis de vitórias imaginárias; e vi jornais em Londres vendendo essas mentiras no varejo, e intelectuais empenhados em construir superestruturas emocionais sobre eventos que nunca aconteceram."

2 comentários:

Guido Cavalcante disse...

A frase "numa guerra a primeira vítima é sempre a verdade" cai como uma luva para o que vc transcreve aqui. O livro que tratou do tema primeiro foi The First Casualty, do Phillip Knightley, editado aqui pela Nova Fronteira, em 1975. O título traduzido é fraco, pois acho que 'casualty' deveria ser traduzido como 'baixa', a palavra apropriada para a vítima de um combate. Acho que o livro ainda se encontra na prateleira de um sebo. Pra mim foi leitura importantíssima na época. E o tema cai certinho para o que vc sublinhou na sua postagem.

Guido Cavalcante disse...

Olhando a nova capa do The First Casualty, a edição foi ampliada até a guerra do Iraque. A minha edição ia até o Vietnam. A capa agora está de acordo com as novas tecnologias: a camera woman correndo junto com o jornalista, além da barriguinha de fora, conforme pede o tempo hoje, ela empunha uma handcan digital. No meu tempo havia um bocado de tralha pra carregar nas costas: além das baterias e chassis para negativo, a gente saía com um tripé e o áudio era processado num pesadíssimo Nagra. Depois apareceram as câmeras com áudio na banda do filme. Agora ficou muito mais comodo.

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