Assim como tem tantos técnicos de seleção quanto torcedores, o Brasil não carece de analistas políticos. Peça um cafezinho (pode ser no copo, aquele bem xexelento), encoste o cotovelo no balcão e afine o ouvido: todo mundo sabe quem será o próximo presidente da República. Aqui no Rio, então, é muito melhor porque carioca que se preze não diz quem vai ser presidente, enumera as razões da vitória e, se possível, abraça uma tese insólita, que surpreenda o interlocutor.
"Escreva o que eu tô dizendo: Dilma é disfarce. Nem câncer tem. É só pra desistir depois e o Lula se candidatar pra mais quatro anos."
O analista político de balcão de cafezinho pelo menos não ganha nada com isto. E não torra a nossa paciência na bancada da GloboNews.
Como se não bastasse a quantidade industrial de analistas de conjuntura, desde sábado temos também um número impressionante de especialistas em medicina. Eles nunca passaram pela porta de uma faculdade e, em muitos casos, quase desmaiam quando fazem coleta para exame de sangue. Mas o que entendem de medicina e, especialmente, de câncer linfático, é uma grandeza.
O dublê de jornalista e cientista sempre tem um argumento irrespondível: conhece a doença de perto porque já perdeu um parente para o câncer. Como se existisse algum de nós que tenha escapado desta triste sina, tão desagradável quanto ter amigos que morreram do coração ou de outra doença qualquer.
Minha primeira mulher morreu de câncer e eu continuo sem entender nada do assunto além do que um médico é capaz de me explicar. Minha ignorância sobre oncologia se mantém sólida.
Eu mesmo já tive um enfarto e nem por isto me tornei um cardiologista honorário.
Para isto, vejam só que injustiça, teria que cursar medicina e acrescentar ao curso regular uma demorada especialização.
Mas o Brasil está desde sábado cheio de jornalistas que sabem tudo de câncer.
Os médicos que atenderam Dilma Rousseff afirmaram e repetiram à exaustão:
"A ministra tinha um tumor de 2 centímetros no sistema linfático que, por sorte, foi descobertado no estágio mais inicial possível, o que permite dizer que ela tem chance de mais de 90% de cura completa."
O oncologista - este impostor - foi desmascarado por especialistas formados nos bancos das nossas faculdades de jornalismo.
Num infográfico do Globo desta segunda-feira, o tumor já havia crescido para 3 centímetros, como se tivesse ganhado vida própria depois de deixar o suvaco da ministra, reproduzindo um clichê de filme de ficção científica dos anos 50.
Mas isto não era nada, ainda.
Pelo que se pode verificar na leitura dos textos de alguns jornalistas peritos em oncologia linfática, é mentira que Dilma Rousseff tenha mais de 90% de chances de cura total.
Ninguém tem, eles dizem.
E acrescentam, professorais: o câncer vai voltar, mais cedo ou mais tarde, o que torna impraticável sua candidatura à presidência.
Sábado nem havia acabado e já estava aberta a temporada de previsões funestas para o futuro político e pessoal de Dilma. Trata-se de uma corrida. Ganha quem puder afirmar, dentro de algum tempo: "Eu fui o primeiro a dizer que ela não teria condições de superar a doença e virar candidata."
Não lembro de ter visto este pessoal prever a derrota eleitoral de quem quer que seja.
Mas eles se consideram capazes de profetizar a derrota de alguém para a doença.
Vade retro!
Um comentário:
Simpatizo com a ministra Dilma e desejo que tudo corra bem na vida dela. Espero, sinceramente, que o câncer extirpado não tenha deixado raízes e não volte. É o máximo que posso fazer. No mais, votarei no Serra.
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